Diz quem faz maratonas que o mais árduo é do meio do percurso em diante, e sobretudo, conseguir manter o ritmo para lá dos 30 km. A tentação é deixar de correr, simplesmente porque o esforço já despendido é tão grande que falta a resistência física e emocional para prosseguir na tarefa. Para o corredor de fundo António Costa, que leva já seis anos de governação nas pernas, este é o mais desafiante trecho do percurso. Será ele, e a forma como o conduzir, que ditará o seu lugar na História. Pode chegar ao fim da maratona como o homem que deu a volta ao País numa década, ou o socialista que desperdiçou a melhor oportunidade que o partido teve entre mãos. Com esta maioria absoluta, aumentou a responsabilidade: acabaram-se as “desculpas” para não conseguir fazer mais e melhor. Eis uma lista das seis tarefas essenciais.
1. Melhorar condições de vida e diminuir desigualdades. Com um País com dois milhões de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social e 80 mil pessoas a emigrar anualmente (a maioria das quais jovens), é essencial olhar para estas pessoas e dar-lhes soluções, saídas, esperança. Para isso, há que olear o elevador social através da educação e da qualificação, aumentar o valor dos salários mínimo e médio nacionais, ter um programa para a habitação que permita, de facto, o acesso a casas mais baratas e criar uma rede de creches públicas. Reduzir desigualdades sociais tem de ser consequência de políticas económicas certeiras, mas também um fim em si mesmo para um governo eleito à esquerda.
2. Reformar – com coragem. António Guterres começou a reforma da Segurança Social e conseguiu um Acordo de Concertação Estratégica, José Sócrates trazia o ímpeto de reorganizar Saúde, Educação e Justiça e de fazer o Simplex, impondo um plano tecnológico, mas a verdade é que o Partido Socialista ganhou nas últimas décadas a fama de não ter um pendor reformista. E Portugal precisa de reformas profundas em áreas cruciais para o seu desenvolvimento futuro: garantir a sustentabilidade da Segurança Social, aumentar a qualidade do ensino, recuperar o atraso de dois anos perdidos no SNS, agilizar e tornar mais eficiente a Justiça, melhorar o sistema eleitoral de forma a aproximar os cidadãos das instituições e melhorar a representatividade (e evitar casos graves como os votos da emigração deitados ao lixo).
3. Gastar, mas bem. Nesta década, Portugal terá à disposição fundos como nunca teve aconteceu. Em dez anos, serão 61 mil milhões de euros de subvenções a fundo perdido, entre o que faltava executar do quadro financeiro plurianual anterior, o Portugal 2030, o Plano de Recuperação e Resiliência e outros fundos europeus. Verbas de seis mil milhões por ano colocam um enorme desafio de execução. E esta é uma oportunidade que não pode ser esbanjada nem desperdiçada (como mandava recado há dias o Presidente da República, “não há prolongamentos”).
4. Reduzir, facilitar, simplificar. Encolher e descomplicar impostos, reduzindo a carga fiscal e aumentando o rendimento disponível das famílias, tem de ser também uma prioridade deste governo. É verdade que a carga fiscal portuguesa, nem em sentido amplo (com as contribuições sociais e em proporção do PIB) nem em sentido estrito (só impostos), não está no topo dos rankings como alguns querem fazer crer (em ambos os casos, está mesmo abaixo da média europeia), mas também é verdade que estamos longe do que existia pré-Troika, antes do “enorme aumento de impostos” de Vítor Gaspar de 2012. Paralelamente, reduzir a burocracia crónica nacional tem de ser uma tarefa levada muito a sério no País da máquina infernal dos processos eternos, das licenças e das licencinhas.
5. Reposicionar para o futuro. É preciso olhar para a frente e para o que vem aí, e para isso é essencial digitalizar, reindustrializar e descarbonizar a economia portuguesa. E, claro, manter o equilíbrio das contas públicas, conquista histórica de Mário Centeno, e continuar a reduzir o crítico endividamento nacional que, indiretamente, pesa nos bolsos de todos nós. Ao contrário do que disse Sócrates, pagar a dívida pública não é “uma ideia de criança”.
6. Dialogar sem arrogâncias absolutistas. É talvez a tarefa mais desafiante e aquela em que mais facilmente um primeiro-ministro com uma maioria absoluta cai na tentação de ceder. António Costa vai ter de tomar medidas difíceis e terá agitação social garantida e até já anunciada nas ruas. É fácil esquecer-se das pontes que prometeu e fazer orelhas moucas ao que dizem os parceiros, os outros partidos e os portugueses. É fácil, mas não é inteligente.