Sempre que sai uma sondagem, e agora há-as diárias até às eleições, é um bruaá na política. Há quem finja que não acredita em nada (Rui Rio e os seus tweets é o melhor exemplo: “Ai Jesus! Que grande banhada!”, seguido de emoji de macaco a segurar a cabeça, escreveu há dias), há quem finja que não as vê, há quem finja que vê e não quer saber. Mas, na verdade, não há candidato ou equipa de conselheiros políticos que as ignore. A duas semanas das eleições, as últimas mostram uma tendência de perda de fôlego do PSD e o PS a alargar vantagem, que nalguns casos chega a dez pontos percentuais.
Mas, depois do que muitos viram como um erro clamoroso das sondagens nas autárquicas em Lisboa – que chegaram a dar maioria absoluta e quase o dobro dos votos a Fernando Medina do que a Carlos Moedas, de que valem elas afinal?
O tema é tão antigo como estes estudos. No pequeno grande livro Sondagens, Eleições e Opinião Pública, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, o especialista Pedro Magalhães chama-lhe uma espécie de “desordem bipolar”: Há “episódios de aceitação ingénua seguidos de descrença total – e vice-versa”. Os críticos dizem que elas falham sistematicamente, seja por incompetência ou má-fé. Se as dúvidas fazem sentido, muitas das críticas assentam em desconhecimento do que são estes instrumentos e os seus pressupostos e metodologias. As sondagens são inquéritos que dão indicações das intenções de voto e a popularidade dos políticos, e nunca as podemos considerar completamente fiáveis: contêm erros de medição tendo em conta a amostra, os inquiridos podem mudar a sua orientação de voto entre o inquérito e o momento de ir às urnas, e a própria existência de sondagens que vão num determinado sentido pode condicionar as intenções de voto. E depois, há questões fundamentais: qual a dimensão da amostra? Qual a margem de erro associada? Qual a percentagem de indecisos?
Uma coisa é certa: as pessoas estão cada vez menos disponíveis para responder a inquéritos de opinião, o que torna mais difícil a tarefa de encontrar amostras representativas. E há um efeito, a que alguns especialistas chamam “espiral do silêncio”, que é um círculo vicioso em que as opções minoritárias tendem a ser subestimadas pelas sondagens e isso influencia o resultado das próprias sondagens. Um estudo antigo mas interessante de Luís Aguiar-Conraria e Pedro Magalhães analisou todas as sondagens entre 1991 e 2009 nos últimos 100 dias antes das eleições, e concluiu que as intenções de voto recolhidas pelos partidos maiores e, em especial, os favoritos à vitória numa dada eleição, foram sistematicamente superiores aos resultados que acabaram por obter nessa eleição. Ou seja, as pessoas inquiridas tendem a não nomear os partidos mais pequenos em que vão efetivamente votar. Daí existir uma “tendência sistemática para que partidos como o PCP e o CDS acabarem por conquistar mais votos do que as sondagens tipicamente lhes atribuem”, concluía-se. E, aqui como no estrangeiro, partidos populistas e de protesto como o Chega podem gerar um voto envergonhado que tende a ser subestimado nestes inquéritos.
Diferentes da crítica à metodologia são as preocupações – legítimas – sobre os efeitos que as sondagens podem ter nos resultados do ato eleitoral. É que esses efeitos são muito variáveis. Uma disputa que parece muito renhida pode mobilizar o eleitorado. Mas se a perceção dos eleitores é a de que uma eleição está ganha, pode haver tendência para desmobilizar. Este efeito pode, nestas legislativas, prejudicar o PS que segue destacado à frente. E, sobretudo, quando estamos num período pós-pico de pandemia, com centenas de milhares de eleitores isolados ou doentes, não fazemos ideia de como vão comportar-se: sairão de casa ou deixarão o voto por mãos alheias fazendo subir, ainda mais, a enorme abstenção (51,4% em 2019)?
Talvez a melhor forma de olhar para as sondagens e conseguir informação o mais fiável possível seja através dos agregadores que combinam os resultados de vários estudos. A Renascença tem, no seu site, um excelente agregador que aplica um algoritmo que visa filtrar o ruído estatístico adjacente a cada sondagem, de forma a alcançar uma estimativa, mais exata, do valor real da intenção de voto e da variabilidade que apresenta ao longo do tempo.
Mas a sondagem derradeira será só no dia 30 de janeiro. E mesmo essa, como as coisas andam, pode não ser conclusiva de nada…