Este texto não é sobre o resultado das eleições. Quanto a isso, a esta distância, está neste momento tudo em aberto: 1. Maioria absoluta do PS, pela qual António Costa está a dar o tudo por tudo, embora mantendo o pudor de dizer o nome (probabilidade singela); 2. PS é o partido mais votado e consegue uma maioria com a esquerda, mudando ligeiramente, ou não, a relação de forças dos partidos que compunham a Geringonça (o mais provável, neste momento, segundo as sondagens); 3. PSD é o partido mais votado e consegue formar maioria com a direita democrática, ou seja, a Iniciativa Liberal e o que resta do CDS (probabilidade pequena); PSD é o partido mais votado e só consegue maioria no Parlamento com o apoio da direita democrática e com a direita iliberal do Chega (probabilidade maior do que no cenário anterior).
Este texto é sobre o dia a seguir, 31 de janeiro. O dia que não deve sair da cabeça de Marcelo Rebelo de Sousa. Pela primeira vez em oito dissoluções da Assembleia da República, podemos não ter um desfecho claro e, sobretudo, estável, após uma dissolução do Parlamento. Podemos bem vir a ter um imbróglio à antiga portuguesa: que de alguma forma faz lembrar os primeiros dez anos de democracia, em que fomos seis vezes a votos, até que demos a maioria absoluta a Cavaco Silva, em 1985. São os temíveis miniciclos de que falava o Presidente da República e que podem vir a acontecer. O maior desafio político para 2022 é não irmos duas vezes a votos este ano, ou seja, outra vez a partir de setembro. Em março, podemos ter nova tentativa de apresentação de orçamento e, se falhar, o poder de dissolução da Assembleia da República só volta no fim de julho. Coisa que me parece que terá de acontecer se António Costa sair, na hipótese de o PS não ser o partido mais votado, e de Pedro Nuno Santos (ou qualquer outro sucessor) se apresentar com solução para formar governo.
Com elevada probabilidade, podemos juntar-nos ao grupo de países europeus com turbulência pós-eleitoral: Espanha não conseguiu formar governo durante oito meses; Holanda esteve nove meses sem governo, com 17 partidos no Parlamento; a Bulgária foi três vezes a votos este ano e ganhou um partido com menos de dois meses; a Bélgica já esteve por duas vezes mais de 590 dias num impasse. Um sonho.
Para ajudar à festa, há pelo menos três dores de cabeça adicionais que vão cair em cima do próximo primeiro-ministro, seja ele qual for. A primeira é, claro, a pandemia. O expectável é que passe a endemia, mas entre o expectável e a realidade vai um vírus de diferença. A desigualdade de taxas de vacinação pelo mundo potencia o surgimento de novas estirpes que são, com este nível de globalização, incontroláveis. Se forem mais perigosas e/ou resistentes à inoculação prévia, será mais um ano doloroso.
No plano económico, temos dois grandes problemas adicionais: um chama-se inflação e o outro são as regras de consolidação orçamental. A subida dos preços no motor económico da Europa vai nos 6% – é certo e sabido que o BCE irá começar a subir taxas de juro para conter esta escalada. A inversão na política monetária do banco central vai resultar num imediato agravamento dos custos de financiamento da República portuguesa. Traduzido por miúdos: a nossa dívida monumental (130% do PIB) ficará muito mais cara de manter.
Por outro lado, a cláusula de salvaguarda do Pacto de Estabilidade e Crescimento que permite um défice acima do teto dos 3% do PIB ainda está ativa, mas Dombrovskis, vice-presidente da Comissão Europeia, avisou há dias que os países da União Europeia devem acautelar, já nos orçamentos nacionais para 2022, o regresso das regras para o défice e a dívida no ano seguinte. Um novo líder que faça promessas aventureiras e venha com ideias de gastar para contentar parceiros de coligação ou garantir acordos de incidência parlamentar vai ter sérias dificuldades orçamentais. Ou sérios problemas com a Europa. O que está à vista, e espero que todos percebam, é que vai ser preciso boa sorte… e muito juízo.