A vitória de Rui Rio nas eleições diretas para líder do PSD foi mais uma demonstração da sempre citada frase d’ O Leopardo de que “é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma”, com uma ligeira consequência para já e que vamos ver se será ou não substancial no futuro: ao derrotar os barões do partido, o reconduzido presidente do PSD obteve o direito de ser olhado – e respeitado – de uma forma totalmente diferente do que sucedeu ao longo da maior parte do tempo em que foi líder da oposição. Agora, ganhou novo fôlego e até o seu estilo de retórica, sempre tão criticado pelos detratores internos, passou a ser encarado como um trunfo eleitoral. Afinal, diz a própria História – numa narrativa que ele também gosta de alimentar –, Rui Rio possui o raro registo de conseguir ganhar eleições, mesmo quando todas as apostas se alinham contra ele.
Ao contrário do que muitos vaticinavam e davam mesmo como inevitável, as eleições de 30 de janeiro vão voltar a ser, assim, a repetição do duelo entre António Costa e Rui Rio – o que não deixa de ser mais uma prova de que tudo continua na mesma, apesar das pequenas mudanças. Se os dois partem para esse embate como incontestados líderes dos seus partidos, e ambos, naturalmente, a prometerem lutar pela vitória final, a verdade é que, nas legislativas, dificilmente o vencedor terá direito a ficar com o bolo todo. A possibilidade de uma maioria absoluta, ainda para mais num momento delicado provocado pelo regresso da incerteza pandémica, é um cenário em que dificilmente alguém apostará todas as fichas. O mais lógico e previsível é, aliás, que as eleições, que foram convocadas para clarificar a situação política após o chumbo do Orçamento do Estado e a morte súbita da geringonça, acabem por produzir um hemiciclo com uma distribuição de deputados substancialmente pouco diferente da atual. E, portanto, com os mesmos problemas da anterior.
Não nos devemos surpreender com essa realidade, nem agora, por antecipação, nem na manhã a seguir às eleições, quando formos confrontados com ela. Esse é o cenário que, de facto, tem sido a norma nas últimas eleições realizadas nos países europeus e que obriga a esforços demorados e redobrados na formação de governos. Os exemplos estão aí à vista de todos: na Holanda (onde as negociações para a formação de uma coligação estável duram desde março), na Islândia e, de forma mais visível, na Alemanha, cujo processo negocial merecia ser estudado e analisado com atenção por todos os líderes políticos, independentemente da sua nacionalidade.
Para se encontrar o governo que irá suceder aos 16 anos de consulado de Angela Merkel, os sociais-democratas, liderados por Olaf Scholz, tiveram de chegar a acordo com dois partidos que, à partida, pareciam antagónicos: os Verdes e os liberais. No entanto, ao fim de 59 dias de negociações entre as três forças políticas, com a participação de 300 negociadores divididos em 22 grupos de trabalho, foi possível alcançar um entendimento que não só satisfaz todas as partes como, ainda por cima, constitui uma base sólida para transformar e modernizar a Alemanha – e, quem sabe, dar um novo alento à União Europeia. As 178 páginas do documento final são um autêntico manual sobre o funcionamento do futuro governo, mas também um exercício meticuloso das tarefas e dos objetivos que visam alcançar, com um nível de pormenor que vai desde o aumento do salário mínimo, ou a construção de 400 mil novas casas por ano, até… ao estatuto do Kosovo no espaço Schengen.
Em Portugal, no entanto, a tradição tem sido a inversa – e, também por isso, andamos há mais de 50 anos a discutir a localização de um novo aeroporto. A questão é que a nossa economia não é igual à da Holanda, que até tem crescido, apesar de continuar com um governo de gestão. Num período difícil e que exige todos os esforços para o relançamento económico e social, Portugal precisa de ser governado com uma garantia mínima de estabilidade. Se é verdade que as campanhas eleitorais servem para separar águas, era melhor que a próxima não destruísse todas as pontes. A não ser que se prefira apostar tudo no jackpot – o que pode dar azar.