Há duas palavras inomináveis na política portuguesa: uma, para o PS, é a maioria absoluta, um tabu que perdura desde 1985, quando Almeida Santos a pediu e conseguiu o pior resultado de sempre para o partido; a outra, tanto para o PS como para o PSD, o famigerado bloco central.
Ainda estamos a larga distância das eleições – dois meses e uma campanha eleitoral em política são uma eternidade –, mas este sufrágio tem um elevadíssimo grau de imprevisibilidade.
Pela primeira vez, podemos não ter um desfecho claro após uma dissolução do Parlamento: em todas as outras sete dissoluções, as eleições trouxeram uma clarificação da situação política e até duas maiorias absolutas: em 1987, Mário Soares dissolveu a Assembleia depois de uma moção de censura do PRD e Cavaco Silva ganhou a maioria absoluta; em 2004, Sampaio fez o mesmo e o País deu uma maioria absoluta a Sócrates.
Agora, podemos sair das eleições com um impasse: e se nem à esquerda nem à direita se conseguir uma maioria clara ou uma solução governativa? Oiço gente dos dois lados a colocar muito seriamente essa hipótese à boca pequena. E se… não existir alternativa viável?
Num sistema político que assenta num bipartidarismo de facto, os entendimentos de governo ao centro são sempre uma ultraexceção ao modelo de alternância em que o centro-direita e o centro-esquerda se revezam no governo da nação. É uma solução com riscos, porque aplana as diferenças e os posicionamentos ideológicos entre os partidos, e estimula crescimentos nos extremos, vistos como a única alternativa à amálgama aglutinadora que ocupa tudo ao centro.
Mas foi a única saída possível, entre 1983 e 1985, quando Mário Soares e Mota Pinto formaram uma coligação, perante a emergência nacional de um País a debater-se com a intervenção do FMI e um programa de austeridade e com a entrada na CEE no horizonte.
Há outro modelo em que a relação é menos estreita: são geringonças ao centro ou acordos de incidência parlamentar como os que aconteceram com Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa, no fim da década de 1990, quando este era líder do PSD.
Sem uma coligação efetiva, ou seja, sem ministros do PSD a assumir pastas, Marcelo Rebelo de Sousa viabilizou o governo minoritário de António Guterres e, em troca, conseguiu o referendo que inviabilizou a regionalização, avanços para PSD na revisão constitucional, medidas fiscais no Orçamento do Estado e até impediu a liberalização do aborto.
Coisa distinta, uma terceira via de entendimentos ao centro, são os acordos de regime que os partidos podem e devem fazer, sejam ou não maioritários, em temas estruturais para a nossa economia. A falta de coragem para os fazer é um dos maiores cancros da nossa vida política, porque as grandes reformas estruturais duram mais do que uma legislatura, e tudo o que se consegue fazer em quatro anos são meras operações cosméticas, não mexidas substanciais.
Tanto no PS como no PSD, um cenário em que os dois podem vir a ser obrigados a entender-se, se não num bloco central, em acordos ao centro, está hoje em cima da mesa. Portugal está a sair de uma pandemia e tem mais de 50 mil milhões de fundos comunitários para executar: todos os impasses pagam-se caro nesta altura. António Costa, que rebentou com o muro à esquerda, não temeria rebentar com o muro que perdura à direita há 36 anos, se conseguisse condições para se manter no poder. Já abriu essa margem na entrevista que deu à RTP, corrigindo o erro estratégico que cometeu em 2019. À direita, só no sábado saberemos quem vai liderar o PSD. Rui Rio sempre esteve disponível para entendimentos, e não recuará agora. Paulo Rangel, mais estratega, quer apelar à maioria absoluta e, por isso, recusa agora quaisquer coligações de bloco central, mas é omisso quanto a outro tipo de acordos possíveis. À partida, é menos favorável a entendimentos, mas depois de contados os votos, no dia 30 de janeiro, e de os partidos se sentarem à mesa para conversar e procurar soluções, a realidade tem muita força. Perante isto, tomadas de posição insanáveis são dispensáveis nesta altura. Aconselha-se na campanha, mais do que nunca, calma, prudência e moderação, sem assomos irremediáveis. Não estamos em tempo de arrufos nem de irresponsabilidades.