Ninguém sabe quando é que Margaret Thatcher terá dito a frase “There is no alternative”, tão célebre que ganhou o acrónimo TINA. A verdade é que ficou para sempre associada à sua governação e à sua forma de ver o mundo. “Não há alternativa” espelhava, dos anos 80 em diante, o corolário do sucesso democrático liberal capitalista que Fukuyama plasmou na declaração do “fim da História”. A TINA virou símbolo de um mundo pacificado pelas vantagens do mercado livre e das democracias ocidentais, das lutas de reconhecimento enfiadas na gaveta, de um mainstream aglutinador ao centro que seria a única via de progresso para as sociedades modernas. Acontece que as ânsias dos homens não são encaixáveis em móveis, e explodem como e onde menos se espera, acrescentando novos capítulos à História que se pensava encerrada.
É da desilusão com o sistema e das legítimas exigências de dignidade que se alimentam os populismos tanto de esquerda como de direita, explorando as várias políticas dos ressentimentos. É por culpa da TINA e da ideia de que não existe alternativa às propostas dos mesmos de sempre com as políticas de sempre que crescem os movimentos nos extremos. Os líderes populistas distanciam-se das elites políticas e mediáticas, oferecendo um discurso alternativo carregado de soluções fáceis (e enganadoras) para os problemas complexos. Levando-os por novos e velhos caminhos, tentam dar as tais alternativas que estas pessoas não encontram nas paragens habituais.
Por muito que os políticos e os partidos de poder não gostem de admitir, a culpa do crescimento dos populismos é, em primeira linha, deles. Da sua inabilidade em chegar a estas pessoas e encontrar-lhes soluções, permitindo que os ressentimentos se amontoassem como moribundos na via pública para o futuro. Cantando e rindo, prosseguiram indiferentes, abrindo caminho para que viessem os abutres e cangalheiros ocupar-se dos cadáveres.
O que nos leva a Portugal e ao fenómeno Chega. Quando se olha para meio milhão de pessoas que votam em André Ventura para a Presidência da República, ou em sondagens que dão 20 deputados e 10% ao Chega nas próximas legislativas a 30 de janeiro, os partidos preexistentes deviam, antes de tudo, reequacionar-se e pensar onde falharam, para que os portugueses alinhem com um partido conservador, nacionalista, xenófobo e com propostas autoritárias de retrocesso civilizacional que raiam o fascismo. O Chega, é certo, apanha votos deles todos, é um catch–all de desiludidos, uma amálgama de frustrações acumuladas.
Quando se joga a disputa interna do PSD, o principal partido ao centro-direita, parece-me essencial que, nesta clarificação, se arrumem ideias e propostas em relação ao Chega. Há dois pontos fundamentais. O primeiro é a necessária demarcação ideológica e política, que deve ser clara e límpida, do partido de André Ventura. É preciso perceber, sem chico-espertices semânticas, o que vai acontecer adiante nos vários cenários de governação. Os militantes e os eleitores do PSD têm o direito de saber se vão votar em alguém que equaciona sentar-se à mesa com Ventura para negociar. Merkel disse sempre que não o faria com a AfD e cumpriu-o. Rui Rio esclareceu que não fará uma “coligação de governo”, e como André Ventura já disse que só dará apoio integrando o executivo, o problema “está resolvido”. Claramente, não está. Desde logo, porque quem o resolve é André Ventura, que diz tudo e o seu contrário, e não Rui Rio. Está Rio disposto a replicar a fórmula dos Açores? Vai fazer acordos de incidência parlamentar, que são diferentes de coligações? Vai negociar apoios em projetos específicos e em troca de quê? Paulo Rangel, na entrevista à VISÃO, negou a possibilidade de entendimentos com o Chega, mesmo que dependa dos seus votos para a formação de um governo que passe no Parlamento. “O governo apresenta-se e depois cada partido assume as suas responsabilidades.” Que é como quem diz, pode contar com a sua abstenção. E em troca de quê, mais uma vez?
O segundo ponto é sobre o eleitorado do Chega. Uma coisa é a parede que deve ser colocada a separar um líder e um partido de propostas antidemocráticas como o Chega, outra bem distinta é tentar falar com as pessoas que, com maior ou menor inocência, acreditam nele e veem ali a única saída. Dirão alguns que não há conversa possível nem forma de chegar a estes eleitores. Talvez assim seja. Mas há que tentar. E tentar melhor do que o que tem sido feito até agora.