No final de agosto, no seu discurso de encerramento do Congresso do PS, em Faro, António Costa dedicou a parte mais importante da sua intervenção ao bem que ele considerou ser o principal garante de Portugal para o futuro: a “extraordinária geração” atual de jovens, “a mais bem preparada de sempre”, nas suas palavras. Num discurso inflamado, o líder do PS sublinhou, então, que o seu Governo tinha a obrigação de “criar condições para que o País possa aproveitar o talento e a energia das novas gerações”.
Seis semanas depois desse discurso, António Costa, já com o fato de primeiro-ministro vestido, assinou a proposta final de Orçamento do Estado, aprovado pelo Governo, e gravou um vídeo a enunciar os principais objetivos do documento. Num tom pausado e algo solene, declarou que a “prioridade” deste Orçamento está “focada nos jovens”. De que forma? Com mais bolsas para mestrados, alívio fiscal nos primeiros anos de trabalho e maior apoio às famílias com filhos. Será isso o suficiente para o País passar, finalmente, a aproveitar o “talento e a energia” dos jovens? Que diferença existe, afinal, entre a proclamação e a realidade?
Se há algo de que não podemos ter dúvidas é que estamos mesmo perante a “geração mais bem preparada de sempre”. Nunca antes, como dizem as estatísticas, tivemos o grupo etário entre os 30 e os 34 anos com 45,5% de licenciados no Ensino Superior (em 2015, não ultrapassava os 30%). Mais de metade dos portugueses com 20 anos frequenta também, atualmente, o Ensino Superior, do qual saíram, no último ano letivo, 86 mil diplomados – o maior valor de sempre. Os números são eloquentes sobre o grau de preparação desta geração, quando comparado com o das anteriores, o que nos deixa a par dos valores médios europeus.
Só que depois, como bem sabemos, há outras realidades que lançam sombras no brilho desta geração. Os jovens portugueses, por exemplo, são dos europeus que saem mais tarde de casa dos pais, segundo o Eurostat. E a razão para isso acontecer nada tem que ver com hábitos familiares enraizados, mas unicamente com duas razões sobejamente conhecidas: falta de habitação a preços acessíveis e salários baixos.
Quais são, então, as respostas que este Orçamento do Estado dá a esses dois problemas? Em relação à habitação, limita-se a desfiar algumas promessas e uns quantos lugares-comuns, bem ilustrados em frases como esta que tanto pode querer dizer tudo como nada: “promoção de um parque habitacional público a custos acessíveis”.
Em relação aos salários, o Orçamento apresenta uma das suas principais “bandeiras”: o alargamento do IRS Jovem para os primeiros cinco anos de carreira profissional, com um alívio fiscal que permite um ligeiro aumento do ordenado líquido. O grande problema é que, como ficou bem documentado por um estudo recente promovido pela Fundação José Neves, os salários dos jovens licenciados foram dos que mais diminuíram na última década. Enquanto, em 2010, um licenciado entre os 24 e os 35 anos tinha um salário médio de €1 537; em 2018 (último ano analisado por esse estudo), um jovem nas mesmas condições apenas recebia €1 280 por mês. Uma contração de 17 por cento.
O problema dos salários dos jovens licenciados não é a carga fiscal, mas o facto de serem baixos, vergonhosamente baixos. Claro que diminuir o IRS constitui uma ajuda para aumentar o rendimento, mas dificilmente será o suficiente para impedir que mais e mais jovens voltem a procurar melhor sorte fora das nossas fronteiras, como já se tornou comum, à exceção do interregno provocado pela pandemia. Afinal de contas, estamos perante a geração mais bem preparada de sempre e, por isso, também alvo de cobiça pelos empregadores do resto da Europa ou do mundo. Para segurar e valorizar a “geração extraordinária”, seriam precisas medidas mesmo extraordinárias – porventura da sociedade no seu todo e não apenas do Governo. Assim, o que temos neste Orçamento é algo a que o próprio António Costa, noutro contexto, poderia aplicar uma das suas famosas tiradas: “poucochinho”.