Estas eleições autárquicas, com uma dúzia de resultados surpreendentes entre uma esmagadora maioria de desfechos previsíveis, deram algumas lições. Demonstraram, por exemplo, que por mais que as campanhas eleitorais se centrem nos temas nacionais acabam por ser os sentimentos locais a decidir quem ganha e quem perde. Provaram que, para os eleitores, a perceção da realidade presente e o balanço que fazem do passado próximo são bem mais importantes do que as promessas futuras e mirabolantes, que se possam repetir nas ações de rua ou nos diretos para as televisões. De facto, a cobertura mediática que se faz das eleições tem muito pouca importância na hora da votação – aí o que conta, mesmo, é a decisão do eleitor, quase sempre sob o mesmo prisma: mais do que eleger uma alternativa, o que o move é se pretende ou não castigar a liderança autárquica que o governou no último mandato. E pode fazê-lo de duas maneiras: votando no opositor ou, simplesmente, desistir e nem sequer comparecer na mesa de voto.
Ficou claro, também, que a confiança desmedida dos autarcas-candidatos, alimentada pelas sondagens e por perceções erradas da realidade, quando se transforma em arrogância, acaba por ser duramente condenada. Cada vez mais, neste tipo de sufrágios, é valorizada a proximidade que os autarcas conseguem manter ou não com as populações – ao longo do mandato e não apenas nas curtas semanas da campanha eleitoral. Quem se mostra mais próximo e atento aos problemas do quotidiano tem sempre mais probabilidades de ser reeleito. Quem, pelo contrário, se refugia nos salões dos paços do concelho, sem dar importância às pequenas queixas que se vão acumulando no exterior, acaba muitas vezes por ver reduzida a sua maioria ou até por ser derrotado – para sua surpresa (obviamente).
Estas eleições demonstraram também que é preciso começar a olhar para as sondagens de uma forma diferente. Analisá-las apenas como um indicador do que pode ser uma tendência, e não como um retrato indesmentível da realidade. E os órgãos de comunicação social têm de saber refletir sobre isso, até porque o resultado está à vista: quando as pessoas deixam de acreditar nas sondagens, elas deixam igualmente de acreditar no órgão de comunicação social que as veicula como se fossem um facto indesmentível e que até, por vezes, querem fazer crer que será imutável.
As autárquicas confirmaram, por outro lado, que a abstenção é um problema já endémico no nosso sistema democrático. Mesmo numas eleições em que concorriam dezenas de milhares de candidatos, em todos os pontos do País, cerca de metade dos eleitores optou por nem sequer se deslocar às mesas de voto. A abstenção foi superior aos 46%, o segundo maior valor em eleições deste género – mas que, de uma forma ou de outra, começa a ser norma em quase todos os atos eleitorais.
É preciso começar a falar a sério sobre a abstenção e, acima de tudo, tomar medidas para evitá-la, exatamente como muitos outros países têm feito por esse mundo fora. Basta ver que, no mesmo dia das nossas autárquicas, também os alemães tiveram eleições, mas com uma diferença substancial: uma larga percentagem dos eleitores já tinha votado pelo correio, através dos boletins enviados, dias antes, para a casa de todos os inscritos nos cadernos eleitorais. Mais ou menos o mesmo ocorreu na Islândia, no último sábado, em que um quinto dos eleitores também votou por antecipação.
Por cá, continua tudo a funcionar exatamente como há mais de 40 anos. Os tempos mudaram, a abstenção está a crescer, mas nada se altera no sistema ou nos procedimentos. Continuamos a viver na era do edital afixado à porta da assembleia eleitoral, mas nada se faz para tentar aproximar o boletim de voto das pessoas. Nem mesmo a experiência do voto antecipado para todos, que teve boa afluência nas presidenciais de janeiro, por causa da pandemia, foi agora repetida: voltou a ficar condicionada a casos específicos de força maior e, portanto, a quase ninguém.
A abstenção não é um problema exclusivo de Portugal. Há anos que preocupa quase todos os regimes democráticos. A grande diferença é que muitos países têm procurado combatê-la: com eleições a prolongar-se por mais dias, urnas móveis, voto eletrónico ou por correio, e outras soluções. Em Portugal, pelo contrário, continuamos na inação do costume, a deixar a democracia a ser minada. No combate à abstenção somos… abstencionistas.