A verdadeira tragédia afegã ainda mal começou. As imagens de caos e de desespero no aeroporto de Cabul, com milhares de pessoas a procurar um lugar nos aviões que saem do país, são apenas uma pequena amostra do que pode ocorrer, em larga escala, por todo o Afeganistão, dentro de poucos dias, mal as potências ocidentais declarem, mais uma vez, “missão cumprida” e os talibãs assumam, sem hesitações nem constrangimentos, o seu poder. Será nessa altura que ficaremos a saber se existe alguma diferença entre os “novos” e os “velhos” talibãs, se os mulás vão ou não cumprir as suas surpreendentes promessas de uma sociedade inclusiva, concedendo, até, o direito às mulheres de trabalharem e de estudarem – ao contrário do que fizeram entre 1996 e 2001. Mas será também nessa altura que vamos medir exatamente o pulso ao estado atual da comunidade internacional, sempre lesta a produzir declarações eloquentes, mas ainda mais rápida a fechar os olhos aos atentados contra os direitos humanos.
A situação é de grande dificuldade para todos os atores envolvidos, é preciso reconhecê-lo. Mas, também por isso, o que acontecer será igualmente muito clarificador quanto às verdadeiras intenções de cada país, ou bloco, em relação ao estado do mundo. De uma forma ou de outra, os próximos tempos no Afeganistão vão permitir-nos estabelecer algumas linhas divisórias: perceber quem se preocupa, de facto, com os direitos humanos ou quem está apenas a olhar para a realpolitik e a influência geoestratégica; quem é mesmo a favor da liberdade e do desenvolvimento sustentável ou quem só procura oportunidades de negócio, indiferente aos regimes e às atrocidades cometidas; quem aplica, na prática, o princípio da solidariedade no acolhimento de refugiados ou quem só o repete nos discursos, mas depois é rápido a fechar as fronteiras.