Mudámos, há muitos anos, os “bretões” por “canhões” na letra do Hino Nacional, mas nunca perdemos um certo sentimento de revolta para com os ingleses, numa relação que vai oscilando entre o fascínio e a desilusão, sempre pontuada por algumas crises e fenómenos de incompreensão mútua. Como parte do nosso turismo vive à custa do mercado britânico, fazemos de tudo para os agradar, mas depois passamos a vida a queixar-nos de que esse nosso esforço não é reconhecido. O problema, no entanto, não está na sobranceria quase genética dos ingleses ou na nossa tradição histórica de desconfiança para com eles. O problema resume-se, antes, a uma única palavra: dependência.
Os números do Instituto Nacional de Estatística ilustram a dimensão desta dependência: entre 2013 e 2019, os hóspedes britânicos duplicaram em Portugal e, no caso do Algarve, representaram, nesse último ano, um terço do total de dormidas em alojamentos turísticos na região. Ou seja: os ingleses contribuíram bastante para o boom turístico e, ao mesmo tempo, tornaram-se ainda mais essenciais para o Algarve que vive numa espécie de relação tóxica com o mercado britânico: sem os ingleses não sobrevive, mas, se quiserem, os ingleses podem ir para as praias de outro país qualquer, sem que, daí, lhes suceda qualquer mal. Portanto, mais do que andar à procura de teorias da conspiração na recente decisão do governo de Londres em nos retirar da sua “lista verde” de destinos para viajar, o que Portugal precisa de fazer é quebrar essa relação de dependência. E isso passa por não permitir situações de exceção para os turistas britânicos que nos visitam – ao contrário do que tem sido prática comum – e que só nos enfraquecem, mas também por repensar o turismo dentro de uma lógica que valorize as condições únicas do nosso território, sua cultura, natureza e tradições, e que não se limite a oferecer cópias de “parques de brincadeiras” que podem ser encontradas em qualquer outra parte do planeta, até por preços mais competitivos.
Portugal, pela sua longa História, localização geográfica e tradição no setor, não deve menosprezar o turismo na sua economia. No entanto, também não pode ser totalmente dependente dele, em especial se, ainda por cima, tivermos regiões dependentes de um único mercado emissor de turistas.
Sem essa dependência, não precisaríamos de viver os dramas, remoques e indignações dos últimos dias, só porque o governo de Londres decidiu aumentar as suas cautelas na gestão da pandemia. Nem sequer ficaríamos surpreendidos com algo que, na verdade, já era dado como plausível há várias semanas, dado o alarme que as novas variantes do vírus estão a causar nos decisores britânicos, o que, ao que tudo indica, irá também adiar o levantamento das medidas de confinamento no País, porventura para o início de julho.
Sejamos claros, mesmo que nos custe: a decisão do governo de Boris Johnson, que provocou o êxodo dos britânicos do Algarve, não é nem uma medida popular nem um ataque ao turismo português. É uma medida de saúde pública, concordemos ou não com ela. É por isso que os governos são soberanos… pelo menos até às próximas eleições.
Este é já o segundo ano em que nos vemos enredados numa telenovela sobre como os ingleses podem ou não salvar o verão algarvio. Querer ver nas suas decisões apenas uma má vontade para com Portugal é o mesmo que ir mudar, outra vez, os “canhões” pelos “bretões” no hino e insistir em vistas muito curtas. Não vale a pena teimar em teorias complexas de revanchismo para com os portugueses quando, no mesmo dia em que Portugal passou para a lista “laranja”, mais de 400 jornalistas britânicos elegeram Rúben Dias como o jogador do ano na competitiva e cosmopolita Premier League (uma distinção que poderia ter sido também atribuída a Bruno Fernandes; como o facto de ser português também não impediu que Marcelino Sambé ascendesse a bailarino principal do Royal Ballet de Londres). Aos 23 anos, e chegado ao clube já com o campeonato a decorrer, Rúben Dias mostrou como se faz: usou o seu mérito e a sua competência, sem subserviências nem pedidos de favores. Os resultados apareceram, e agora são os ingleses que ficam dependentes do português. Haverá método melhor para resolver os problemas da Velha Aliança?