A principal função de uma companhia aérea é bem clara e não merece grande discussão: transportar todos os passageiros que conseguir – sem hesitar em ir procurá-los a qualquer parte do mundo. É essa a razão de ser do seu negócio: encher os aviões com o maior número possível de passageiros, independentemente da sua cor, religião ou nacionalidade. Não haja ilusões: nenhuma grande transportadora aérea, apesar de poder ser chamada de “bandeira”, pode sobreviver apenas a servir os consumidores do seu país.
A tarefa prioritária dos seus gestores reside, por isso, na seleção de rotas que permita encher mais aviões – de acordo com a posição geográfica da sua base de operações. Depois, precisa de garantir que transporta os passageiros com comodidade e segurança, proporcionando-lhes uma experiência agradável, de forma que eles voltem a escolher a companhia numa viagem futura. Era assim, diz a experiência internacional, que se obtinham os melhores resultados económicos, antes de a pandemia ter forçado o setor a aterrar, bruscamente, em quase todo o mundo. E são essas escolhas que, para o bem e para o mal, vão marcar o futuro da Tap e dos seus gestores, na nova fase de relançamento da companhia.
Acontece que, no entanto, após ter sido nacionalizada e se ter tornado depositária de um empréstimo do Estado de 1,2 milhões de euros, a Tap passou a ser, um bocadinho, de todos nós e, nessa medida, tem também a obrigação de ser um exemplo para o País. E um exemplo a vários níveis, a começar pela transparência das suas contas e a acabar na forma como deve conduzir o seu processo de reestruturação através de um rigoroso cumprimento das leis. Só que a Tap agora carrega ainda mais uma responsabilidade acrescida: tem de ser igualmente um motor para a economia nacional.
Ou seja: não basta que a sua operação de voos consiga ter bons resultados, é preciso que o transporte dos seus passageiros ajude todo um outro tecido empresarial, ligado ao turismo, a obter também bons resultados, em especial numa altura em que muitos desses negócios, dos mais afetados pela pandemia, podem estar numa ténue linha entre a vida e a morte.
O ministro Pedro Nuno Santos já admitiu que ainda não conseguiu explicar cabalmente aos portugueses a necessidade de terem passado a ser donos da Tap, mesmo quando os seus dois atuais (e provisórios?) gestores apresentam contas a garantir que a decisão de não ter deixado morrer a companhia aérea irá dar um retorno superior a 10 mil milhões de euros à economia portuguesa, até ao final da década. Percebe-se a dificuldade, em especial quando o benefício é, nesta fase, apenas potencial e o custo é alimentado com envelopes sucessivos de muitos milhões de euros.
Essa é mais uma das razões por que a Tap tem de ser exemplar. Para se afirmar e poder voltar a voar, a Tap precisa, primeiro, de ser um fator de união, e não de desunião, entre os portugueses. E ela só pode fazê-lo se souber assumir o seu papel de grande empresa e se liderar pelo exemplo. Não pode, por isso, fazer-se de “morta” em relação às grandes operações que agentes turísticos nacionais e o governo regional preparam para o próximo verão na Madeira, deixando depois os charters para o Porto Santo entregues à espanhola Ibéria, como já está acertado. Isto ao mesmo tempo que, segundo se queixam os mesmos operadores e governo regional, a Tap vende voos mais baratos para Cancun do que para a Madeira – que é, apenas e só, uma das regiões mais importantes em termos turísticos e, por consequência, para a economia nacional.
Volto ao início e ao reconhecimento de que a Tap não pode sobreviver apenas com os passageiros portugueses. Mas, em situações excecionais como as que vivemos, a companhia tem a obrigação de pugnar por um comportamento exemplar. Em especial para com todos os “acionistas” – nós.
(Editorial publicado na VISÃO 1470 de 6 de maio)