Nós já nos devíamos conhecer melhor e saber que oscilamos, com frequência, entre o pessimismo e a euforia. Tão depressa nos sentimos os melhores do mundo como, no instante imediato, deitamos as mãos à cabeça a achar que ultrapassámos mesmo a derradeira das linhas. Há anos que se escrevem ensaios e artigos sobre este Portugal ciclotímico, sempre a balançar entre a alegria e o desalento, e assim cá continuamos, incorrigíveis, a subir e a descer uma montanha-russa sem fim.
Na pandemia, temos sido iguais a nós próprios, conforme bem expressam as curvas com o número de casos e de mortes, desde março do ano passado. Somos rápidos e relativamente obedientes a aceitar as ordens de ficar em casa, mas também depressa tendemos a considerar que o pior já passou e que está na hora de voltar à vida que tínhamos. Com as consequências que conhecemos.
Desta vez, no entanto, era conveniente que, no mínimo, tivéssemos um pouco mais de paciência. Mas não só: do que precisamos mesmo é de mais tenacidade e resistência, as características que distinguem os grandes maratonistas – que sabem que a meta está lá muito longe e que, por isso, têm de saber dosear o esforço, com sacrifício, para não serem obrigados a desistir a meio da corrida.
Esta pandemia é mesmo uma maratona, mas com uma diferença fundamental em relação à prova-rainha do atletismo: ainda ninguém sabe onde está precisamente a meta nem se, depois de a cruzarmos, não teremos de continuar a manter o passo, porque, entretanto, outra corrida se iniciou, por causa de uma nova estirpe ou variante.
Entramos agora num momento decisivo que, mesmo que não dêmos conta, vai marcar os próximos meses: está comprovado que já ultrapassámos o pico da última vaga, que a curva de novos casos está em trajetória descente, mas temos ainda muitos meses pela frente até que a vacinação permita ter a situação controlada, dentro de fronteiras. Ou seja: se fechar um país, apesar das resistências naturais dos céticos ou dos otimistas, é relativamente fácil, reabri-lo é o trabalho mais difícil.
No caso presente, não haja ilusões: se repetirmos os mesmos erros do passado e se não tivermos percebido as lições deste vírus, arriscamo-nos a deitar tudo a perder. O desejo de regresso à normalidade não pode toldar a nossa perceção da realidade. Do que precisamos, neste momento, é de informação clara e objetiva sobre o estado da pandemia em Portugal. Transparência nos dados que vão sendo coligidos, de forma que todos possamos avaliar o que se passa.
Devemos ter critérios transparentes sobre o que é uma situação controlada. Não podemos passar a admitir que uns poucos milhares de novos casos por dia é um patamar aceitável só porque deixámos de nos impressionar com esse tipo de números. Já aprendemos que, num ápice, esse número pode voltar a multiplicar-se para valores insustentáveis para o sistema de saúde e, acima de tudo, condenar muitas pessoas à morte.
Temos de interiorizar que estamos mesmo a correr uma maratona – e ninguém a ganha antes da meta, em especial se a sua estratégia for a de fazer sprints curtos, de vez em quando. Do que precisamos, isso sim, é de uma cadência que não nos desgaste. E, neste caso concreto, é necessário investir na área mais negligenciada de todas: o rastreamento dos casos, a única forma de identificar, com rapidez e segurança, as novas infeções, antes que o contágio fique incontrolável.
Todos os que já tiveram um teste positivo sabem do que falo: perdem-se dias a tentar identificar todos os possíveis contactos. Dias que, como sabemos, podem nunca ser recuperados.
Por isso mesmo, em países como Taiwan ou Nova Zelândia, que quase estancaram a pandemia, basta aparecer um ou dois casos novos (importados, quase sempre) para fazer soar os alarmes – antes que a situação se torne incontrolável. Por cá, no entanto, já há muitas vozes a admitir que dois mil novos casos por dia é um valor aceitável…
Percebo a pressa do regresso ao normal – e desejo-a. Contudo, a pressa que devíamos ter era para apoiar os que, de facto, sofrem economicamente com esta pandemia. Aí é que, de facto, não podemos entrar em ritmo de maratona. Precisamos, isso sim, de ações mais rápidas e efetivas. Mais arrojo e menos prudência. Afinal de contas, soubemos agora, o Estado até teve, em 2020, a receita mais alta de IRS de sempre no ano em que a economia teve as maiores quedas. Estamos à espera de quê?