Durante o fim de semana, o PCP mostrou o que tem para oferecer ao País. Não foi muito diferente do que tem sido a sua senda nos últimos anos: resistência, ideologia, dogmas, e uma incapacidade clara de se adaptar aos tempos.
O PCP é um partido sui generis no panorama político mundial. Depois da tragédia monumental que foi o estalinismo e do falhanço nos países que tentaram impor o comunismo no mundo, foram desfalecendo e se extinguindo, nos sistemas democráticos, os partidos comunistas. A queda do Muro de Berlim, em 1989, foi a estocada final que matou a fé e ditou a desestruturação do sistema comunista. “O Muro de Berlim caiu em cima de mim”, metaforizou esta semana o professor e intelectual brasileiro José Paulo Netto, que acaba de lançar uma biografia de Karl Marx.
Só alguns poucos partidos comunistas tremeram, mas não caíram. Além do PCP, restam hoje pelo mundo poucos descendentes da Internacional Comunista: apenas o partido comunista grego (KKE, com cerca de 5% dos votos nas últimas eleições), o espanhol (PCE, que desde 1986 se coligou na Esquerda Unida, e em 2015 na Esquerda Popular, que conseguiu só 3,7% dos votos, até se juntar ao Podemos no ano seguinte), o francês (PCF, com apenas 1,7% nas legislativas de 2017), e os brasileiros (PCB e PCdoB, com pequena expressão eleitoral). E, claro, os partidos comunistas da Rússia, da China e da Coreia do Norte, onde não se vislumbram democracias.
O PCP é, pois, um dos raros e insólitos resistentes velhos comunistas. Continua a ter, como aliás diz nos estatutos, o marxismo-leninismo como base teórica, “conceção materialista e dialética do mundo, instrumento científico de análise da realidade e guia para a ação que constantemente se enriquece e se renova dando resposta aos novos fenómenos, situações, processos e tendências de desenvolvimento”. Depois do 25 de Abril, amoleceu ligeiramente alguns conceitos e afastou-se dos terríveis bolcheviques – impor a “ditadura do proletariado”, como definia o Komintern de Lenin, foi algo que Álvaro Cunhal deixou cair assim que existiu uma Constituição da República Portuguesa.
Na prática assume-se como o partido político do proletariado, mas continua no essencial a sonhar com o que chama de “democracia avançada” – um ideal por concretizar já que, como é bom de ver, todas as tentativas foram até agora frustradas. Ao longo dos tempos, desde 1974, fez concessões à “burguesia” – nomeadamente acordos de governação ao centro (o da Câmara de Lisboa o mais expressivo) e alinhou-se na famosa Geringonça –, mas na sua essência, nas últimas três décadas, o PCP pouco mudou.
O que garantiu que o PCP vá chegar, daqui a três meses, aos 100 anos, é também o que faz dele um partido agarrado a uma certa ordem e dialética do passado. A verdade é que o PCP é um dos mais conservadores partidos portugueses. Antieuropeísta e nacionalista, é claramente conservador nos temas e nos valores – contra a eutanásia, contra uma real igualdade de género, que nunca apoiou. No Comité Central, por exemplo, tudo muda para que fique tudo na mesma. A presença é maioritariamente masculina: em 129 membros, apenas 37 são mulheres.
Tudo no PCP se rege por mecânicas rígidas, ordens pré-definidas, procedimentos e ideias de base quase imutáveis. O mundo gira e o tempo passa, mas não pelo PCP, que continua, em muitos aspetos, a tentar parar o vento com as mãos. Adaptação, aos olhos dos comunistas, é cedência, e os comunistas não cedem – preferem morrer, foi assim que lhes ensinaram. Por isso, insistiram no enorme erro político de continuar a fazer um congresso com 600 pessoas indiferente às restrições do estado de emergência. E, por isso, continuam a repetir os mesmos chavões e as mesmas ideias. A maior parte do que foi dito agora podia ter sido, na verdade, apresentado no ano passado ou há dez anos. Fiel aos ideais originais, a luta pelos direitos dos trabalhadores continua a ser a sua bandeira. Novos problemas globais, como a defesa do ambiente, ou novas temáticas, como a igualdade de género ou a luta contra o racismo, ficam de fora.
A dificuldade de adaptação aos novos tempos é particularmente evidente na forma desastrosa como é incapaz de se demarcar com clareza dos erros e crimes perpetrados em nome do comunismo. O PCP repudiou o estalinismo – Cunhal muito claramente em 1990 –, é verdade, mas desculpabiliza inadmissivelmente o que aconteceu nas últimas décadas na Rússia, na China, na Venezuela, em Cuba. Já a Coreia do Norte de Kim Jong-un foi agora apagada das intervenções dos principais dirigentes do partido. Um pequeno passo para o homem, um grande avanço para o PCP.
Mas o conservadorismo pode ter coisas boas: ser zeloso pela palavra dada e consistente e responsável como parceiro. E, por isso, o PCP do idealista Jerónimo de Sousa (ao contrário do taticista Bloco de Esquerda) segurou agora o Governo na altura de aprovação do Orçamento, e poupou-o de críticas neste congresso. “Este é um partido necessário e indispensável para construir um futuro de progresso e desenvolvimento, porque, com o PCP, a vida avança”, justificou o líder, reeleito pela primeira vez com um voto contra. António Costa bem pode agradecer, e acender uma vela para que continue tudo na mesma.