Talvez graças à formação germânica que recebeu, Rui Rio diz-se adepto do método e do raciocínio lógico. Teria sido bom fatiar o desafio que tinha pela frente nos Açores e começar pela análise metodológica dos seus pressupostos. Bastava começar por responder a três simples perguntas: Parece o Chega um partido nacionalista e ultraconservador? Parece o Chega um partido xenófobo e racista? Parece o Chega um partido populista, divisionista e extremista, que desrespeita as instituições e os valores democráticos?
Supondo que a resposta é um rotundo sim a todas elas, então o que parece é – em política, a velha máxima nunca falha. É de supor que, por exemplo, Francisco Sá Carneiro, que a repetia amiúde (e que Rui Rio tanto evoca – voltou a citá-lo no último congresso, dizendo que “o PSD não é nem nunca será uma força de direita”), tivesse chegado a esta conclusão. E que recusasse uma aproximação a este partido que, lá está, se parece protofascista, muito provavelmente é porque é.
Rui Rio entrará para a história da democracia portuguesa como o líder que trouxe a extrema-direita para o “sistema”. Que rebentou a cerca higiénica posta à volta de André Ventura e do Chega para lhe dar espaço e, sobretudo, legitimação. Que o colocou entre os partidos com o mínimo de decência admissível para sentar à mesa, dialogar e fazer acordos. E isso é um erro que não será apenas Rui Rio a pagar caro. Pagaremos todos nós.
Rui Rio cede, dispondo-se a assumir compromissos para conseguir um apoio que viabilizará por quatro anos o governo no arquipélago. Extravasando ou não este acordo o território das ilhas, o que pouco importa, Rio fá-lo legitimando o Chega com argumentos de ingenuidade pueril. Quando diz que há hipótese de diálogo se este se moderar, está a pedir a uma raposa que não entre num galinheiro com a porta escancarada. É simplesmente contranatura: a ideia de “moderar” um partido extremista é uma contradição nos termos, uma impossibilidade genética. Ao partido extremista que se modera, das duas, uma: ou disfarça-se mal e não convence, ou muda, aliena-se e desaparece.
Seria bom que antes de Rui Rio se deixar levar pela voragem de chegar ao poder nos Açores, alguém lhe tivesse recordado as suas próprias palavras, proferidas em maio de 2019: “O PSD é um partido moderado, que combate os extremismos e que combate a extrema-direita. É uma ponte para a moderação e a democracia. O PS pode combater o extremismo de direita, mas não combate o extremismo de esquerda. O PS é uma ponte para o extremismo de esquerda.”
Aos que atiram com as semelhanças com a Geringonça, há aqui uma diferença apesar de tudo significativa: estes extremismos de esquerda a que Rui Rio se refere, ainda que possamos não nos identificar com as doutrinas que os inspiram, com contextos históricos que desde a queda do muro de Berlim mudaram radicalmente, não põem em causa a violação dos princípios democráticos nem colocam em causa a Constituição Portuguesa.
O mesmo não se pode dizer das propostas defendidas pelo Chega de guetificar e ostracizar grupos étnicos, castrar quimicamente criminosos, ou das ideias que, se ainda não foram defendidas, recolhem apoio substancial entre os seus militantes, como a da reintrodução da pena de morte ou a da mutilação das mulheres que abortam. Expressões máximas de um radicalismo iliberal inconciliável com os valores das democracias liberais: juntá-los é como tentar misturar água e azeite.
Tivesse também Rui Rio seguido o exemplo de Angela Merkel, e não estaríamos aqui hoje. A chanceler rejeitou sempre quaisquer acordos da CDU com a AfD, e em fevereiro último, opôs-se determinantemente ao apoio da extrema-direita para formar governo na Turíngia. Felizmente, as fronteiras inultrapassáveis estão bem delimitadas para os líderes alemães. Nos EUA, os americanos também exigiram um regresso da decência à Casa Branca. Era bom que o grau de mínima decência comum admissível estivesse claro na cabeça de Rui Rio. E, já agora, também na de Francisco Rodrigues dos Santos.
Para o Chega, o desafio será o de sobreviver ao abraço de urso do sistema. Agora que o viabiliza, como vai poder dizer mal dele? Só com ainda mais cara de pau e saltos à retaguarda. Mas isso, para um partido populista liderado por um oportunista, não é nada que surpreenda.