A promessa era grande: um orçamento bom para as famílias e amigo das empresas, que promova a recuperação e a competitividade da economia. Na declaração de intenções vem, pois, toda a cartilha de finanças públicas: um “orçamento responsável e progressista” que “continua a apoiar as famílias e as empresas, através de medidas que visam proteger os rendimentos, apoiar o emprego, aumentar a liquidez das empresas e mitigar as consequências sociais da crise económica”, em suma, “um orçamento que não aumenta impostos”, “marcado pela aceleração do investimento público”.
Entre o que se diz nos preâmbulos ou a propaganda que é feita nas apresentações e as medidas que estão efetivamente inscritas, vão, como de costume, quase 400 páginas e alguns cálculos de distância.
É verdade que os impostos não vão ser aumentados, ficando todas as taxas inalteradas e não havendo qualquer atualização dos impostos indiretos. Entre as medidas mais “generosas” do lado dos rendimentos para os contribuintes, estão o aumento do salário mínimo em €23,75, a subida do subsídio de desemprego em €66 e o aumento extraordinário das pensões em €10. E também um novo apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores, que protege recibos verdes, domésticos e desempregados sem subsídio, assim como o subsídio de doença por isolamento profilático e o subsídio de doença por Covid-19 – medidas de apoio social relevantes em tempos de pandemia.
Mas também é verdade que há propostas que são pouco mais do que fogo-de-vista: a redução de 2% da retenção na fonte no IRS é apenas um muito ténue alívio fiscal: estamos a falar de 1 a, no limite, 16 euros por mês a mais para o orçamento familiar. É que os badalados 200 milhões representam apenas 7% de todo o reembolso de IRS. A mesma coisa para a ideia do IVAucher. É criativa, sim, senhor, visa estimular o consumo no primeiro semestre deste ano através da recuperação do IVA gasto em restauração, hotelaria e cultura durante três meses no trimestre seguinte, mas vale apenas outros tantos 200 milhões de euros. Não virá daqui certamente um boom de consumo privado para estes setores.
A maior desilusão foi mesmo para os empresários. Quem esperava medidas fortes de apoio ao investimento, ao emprego e ao comércio, como subsídios ou incentivos fiscais, recebeu uma palmadinha nas costas pelo esforço até aqui e uma mão-cheia de… quase nada. Não se vislumbram medidas que nutram efeitos significativos nas contas das empresas. O Governo reservou apenas 309 milhões de euros para pagar em 2021 despesas inerentes ao mecanismo de apoio à retoma progressiva, que substituiu o layoff simplificado que termina a 31 de dezembro deste ano, admitindo um prolongamento. E pouco mais.
Os keynesianos otimistas dirão que os estímulos para a economia e para o consumo virão da forte despesa pública, que ascenderá ao impressionante número redondo de 100 mil milhões de euros. É muito dinheiro, é verdade: são mais cerca de três mil milhões face à estimativa de 2020. Mas, no entanto, em termos percentuais o aumento não é enorme: cresce apenas 3,9%, e o peso da despesa pública no PIB até cai de 49,9%, para 47,8%.
Otimismo há muito, precisamente aqui, no PIB. O cenário macroeconómico do Governo prevê a conhecida forte contração em 2020 de 8,5%, mas um crescimento de 5,4% no próximo ano. Ainda quase 4 pontos percentuais abaixo do registado em 2019, mas a subir significativamente.
Contas feitas, quem esperava que João Leão trouxesse caça grossa e fresca para animar a selva recebeu pouco mais do que uma presa miúda. Nada de refeições fartas para o pessoal, só algo frugal para aconchegar a fome em tempos áridos. Estamos felizmente longe da austeridade, é verdade, mas não vem aí o dinheiro às pazadas para cima da economia que muitos ansiavam. Tenta-se um exercício difícil: manter os níveis de prestações sociais e apoios face à Covid-19, ao mesmo tempo que se reduz défice e reequilibra os indicadores que resvalaram em 2020. E assim este é um orçamento “nem-nem”: nem corta nem acrescenta grande coisa. Nem aquece nem arrefece: é contido e remedia. O problema é sempre o mesmo: é que se puxa para cá e puxa para lá, mas a manta continua a ser a mesma e, como sabemos, é curta. Sobretudo para quando o frio aperta.