Ao longo da nossa História, estivemos algumas vezes entre a espada e a parede. Circunstâncias em que todas as opções são péssimas e em que a escolha se faz apenas pela bitola do que pode ser o menor dos males. Vivemos hoje, neste setembro pandémico, outro momento desses. Estamos todos, e o Governo por nós, entre a espada do vírus e a parede do confinamento. Venha o diabo e escolha.
Não vale a pena escamotear o que os números revelam com clareza. Estamos já numa segunda vaga de novos casos da Covid-19, a mesma vaga que tem assolado vários países da Europa, que começaram mais cedo a senti-la, como Espanha, França ou Reino Unido. Sabíamos que este era um risco com elevada probabilidade no fim do verão – a VISÃO, aliás, fez capa com o tema, ouvindo mais de uma dezena de especialistas sobre o assunto. Ninguém se surpreende, pois, com a chegada aos 1000 novos casos diários, porque a tendência já estava na curva ascendente ainda antes de as escolas reabrirem, os transportes públicos terem menor pressão e as pessoas regressarem aos seus trabalhos pós-férias – algumas pela primeira vez após o confinamento, de março a maio.
Segundo muitos especialistas, estes números devem ser, porém, lidos cum grano salis. A comparação entre os números de novos casos hoje e em março e abril não é linear: na altura, a capacidade de testagem era muito menor e, por isso, muitos dos casos testados eram de facto positivos, e este indicador não pode ser lido isoladamente. Importa analisar também a evolução dos números de mortos, de internados e de internados nas UCI, e embora este número de hospitalizados tenha subido, os casos mais graves e os óbitos não têm acompanhado esta tendência crescente. Isto porque a resposta médica é hoje mais eficaz, mas também porque a média de idades das pessoas contagiadas é menor, tornando-as mais resistentes a complicações graves.
No outro lado da equação está a hipótese de confinamento, exigida por muitos que vêm agora pedir novamente medidas mais drásticas ao Governo e às autoridades de saúde. Alegam que estamos a entregar as pessoas à sua sorte, que não estamos a olhar o fundamental que é a saúde e que adotamos uma estratégia à sueca – deixar contaminar, deixar morrer. Esta não é uma comparação justa. A estratégia da Suécia é substancialmente diferente da nossa, em que não se exigem máscaras nem distanciamentos e não foram praticamente adotadas medidas de segurança tendo como base a ideia da imunidade de grupo que gerou um muito maior número de mortos. Aqui temos regras de proteção várias que vão dos comportamentos de proteção individual ao uso dos espaços públicos e empresas.
E depois temos esta crise, cujos efeitos ainda nem estamos a sentir na totalidade e não nos vai largar tão cedo, e que é o reverso da medalha do confinamento. Temos a economia a cair perto de dois dígitos, temos mais de 100 mil desempregados criados pela pandemia, temos 891 mil trabalhadores que estiveram em layoff desde abril e mais 162 mil trabalhadores independentes a pedirem apoios de sobrevivência, temos empresas à beira da falência que não se vão aguentar até ao final do ano. Temos famílias desesperadas, temos milhares de pessoas pela primeira vez a pedirem comida nos bancos alimentares, temos as outras doenças a ficarem por tratar. Temos novos e velhos desalentados, deprimidos, ansiosos, destroçados por ficarem fechados em casa, longe das suas rotinas, dos seus trabalhos e daqueles que amam. Temos tudo isto, e este peso esmagador em cima das costas que nos tira o fôlego, o ânimo e nos faz ponderar se a cura não é pior do que a doença. Não podemos deixar a maleita sem tratamento, mas vamos, por favor, dosear a medicação com conta, peso e medida. Não podemos abrir mais novas feridas, quando ainda estamos ligados à máquina em convalescença.
Temos de fazer valer o que aprendemos e, com a maior responsabilidade individual, seguir com as nossas vidas o mais possível. Continuar a retomar alguma da normalidade, com o máximo cuidado. Esta mesma estratégia tem sido a adotada um pouco por toda a Europa: ir gerindo o aumento de novos casos e esticar a corda ao máximo, para não morrermos da cura. Não vamos ter duas bazucas da Europa, nem vamos ter maneira de sair da crise, se formos obrigados a fechar tudo outra vez. O dinheiro – e tudo o que precisamos para sair disto – não vai cair do céu como que por milagre.