O primeiro-ministro tem toda liberdade, e até o direito, enquanto cidadão, de integrar as comissões de honra que quiser e entender – por razões que, na verdade, só a ele dizem respeito. Tem é de saber, no entanto, que, quando aceita um convite desse género, está automaticamente a participar num ato público, em que, aos olhos do comum dos mortais, deixa de existir qualquer separação entre o político e o cidadão. O facto de aceitar dar publicamente o seu apoio a um candidato numas eleições é sempre, em qualquer circunstância, um ato político que se presume que tenha sido devida e previamente ponderado – não é o mesmo que celebrar, com emoção desvairada, um golo ou uma vitória do seu clube de eleição.
É errado encarar o assunto com a benevolência de achar que isto “é só futebol” – do que aqui se trata é o assinalar de uma escolha e aceitar que ela seja usada pela campanha do candidato-presidente como forma de influenciar o sentido de voto dos sócios, num momento delicado para a vida do clube.
A clareza e a transparência são importantes em todos os momentos da vida pública, e os titulares de cargos políticos têm o dever de manter essa exigência sempre presente. António Costa é livre de apoiar – até com declaração de honradez incluída – o candidato Luís Filipe Vieira em mais um mandato à frente do S.L. Benfica. O que não pode é refugiar-se no argumento de que esse é um ato pessoal e, com isso, esquivar-se ao debate e à polémica, como se não tivesse nada que ver com o assunto.
Nestas situações, não pode haver meio-termo: António Costa ou está na comissão de honra de apoio a Luís Filipe Vieira ou não está. Como, de facto, aceitou integrar aquela lista de apoio, ele não pode dizer que está lá o nome do cidadão, mas não o do primeiro-ministro, porque ninguém acredita nisso. Não pode continuar a esquivar-se dos ataques como se fosse, neste caso, o “homem invisível”: ou assume, em pleno, a sua presença na comissão de honra de um candidato que é arguido em vários processos judiciais (mas ainda não transitados em julgado) ou reconhece que tomou uma decisão pouco ponderada, porventura até errada, e pede para sair (o seu voto, depois, nas eleições do Benfica, é lá com ele e, esse sim, absolutamente do domínio privado).
Ao tentar desvalorizar o caso e ao insistir que o seu apoio a Luís Filipe Vieira é do domínio “pessoal”, António Costa só está a piorar o cenário. É um tipo de “fuga” que, além de não esclarecer nada, acaba por reforçar ainda mais os argumentos dos que veem na relação entre a política e o futebol um mundo imenso de cumplicidades cruzadas, arranjinhos ocultos e troca de favores pouco ou nada esclarecidos.
A tão falada promiscuidade entre a política e o futebol, que atravessa décadas da História portuguesa e protagonistas de todos os partidos, sempre foi feita no plano “privado”, como se existisse uma espécie de cortina a separá-lo do plano “oficial”. Sabemos também que, sob a desculpa da “paixão clubística”, muitos políticos, mas também magistrados, autarcas e até jornalistas, ultrapassaram diversas linhas vermelhas da ética, da decência e da legalidade. O clima de suspeição insuportável que se instalou, há muito, no futebol português foi criado e alimentado por uma teia de relações que, por serem pouco ou nada transparentes, sempre contribuíram para aumentar as desconfianças e até as mais mirabolantes teorias da conspiração.
É nesse jogo de sombras, de suspeitas e de interesses pouco claros que o primeiro-ministro não se pode deixar envolver, quando diz que o assunto é “privado”. Não o é, repito. Até porque já se tornou, também, um “caso” político e, portanto, “público”.