O Banco Mundial já fez as contas e prevê que o PIB global sofra uma contração de 5,2% durante este ano. Caso se confirme, estaremos perante a recessão mais profunda que o mundo viveu em muitas décadas. E mesmo que se alcancem avanços significativos no combate à pandemia, isso não terá qualquer influência no regresso à nossa “vida normal”, pois os efeitos da longa paragem da economia vão fazer-se sentir durante muito tempo, devido à erosão do investimento, à enorme perda de empregos, à fragmentação do comércio planetário e a outros fatores menos comensuráveis, mas importantes, como a perda de confiança de empresários e de consumidores.
Não é pessimismo, são factos: todos os dias anunciam-se previsões que confirmam a recessão que aí vem, em qualquer latitude e em quase todos os setores tradicionais. Essas projeções são também, muitas vezes, acompanhadas pelo anúncio de reestruturações profundas entre os grandes empregadores e sempre com o mesmo tom monocórdico: o desaparecimento de milhares de postos de trabalho, em que a repetição fria dos números já deixou de suscitar qualquer comoção. Também se multiplicam os anúncios das perdas milionárias de empresas emblemáticas no primeiro semestre do ano, bem como das dificuldades, até há pouco tempo inesperadas, que começam a ensombrar o futuro de gigantes da aviação, do turismo, da restauração, do vestuário e da indústria do entretenimento, que pareciam seguros e imunes a qualquer contrariedade.
Desde o início da pandemia, como demonstram os indicadores económicos e financeiros, o mundo ficou mais pobre. Mas será que foi mesmo o mundo todo? Não, não foi. Tal como nos livros do Astérix, também existe agora uma “pequena aldeia de irredutíveis gauleses” que não só resiste às ameaças, rodeada de crises por todos os lados, como os seus membros viram até as suas fortunas aumentarem nos últimos meses. A crise, afinal, tem sido benéfica para os super-ricos e para as grandes empresas tecnológicas. Para eles, afinal, a pandemia até serviu como uma espécie de “poção mágica” para alicerçarem o seu poder, cada vez mais imenso e fora de controlo.
Um relatório do Institute for Policy Studies é claro: desde o início da pandemia, a fortuna combinada dos 12 homens mais ricos dos EUA aumentou 238 mil milhões de dólares. Noutras contas, feitas pela Bloomberg, a fortuna dos 20 mais ricos do mundo cresceu 300 mil milhões de dólares, apesar das perdas registadas por alguns dos seus membros – como o espanhol Amancio Ortega ou o francês Bernard Arnault – , mas que foram largamente compensadas pelos ganhos de Jeff Bezos, Bill Gates, Mark Zuckerberg e Elon Musk. É verdade que algum deste “sobe-e-desce” resulta de capitalizações bolsistas que podem ser efémeras. Mas é inegável que, enquanto a esmagadora maioria do mundo ficou mais pobre, o pequeno grupo de supermilionários ficou ainda mais rico.
Uma parte substancial dos lucros das grandes empresas tecnológicas globais foi feita, neste período, à custa de muitos negócios locais, em especial com a transferência dos investimentos de publicidade em grandes plataformas como a Google e o Facebook, em detrimento dos órgãos de comunicação tradicionais. Para se sair desta crise vai ser preciso, como já se sabe, que os governos injetem muito dinheiro na economia. Há anos que na União Europeia se discute como se pode passar a tributar os gigantes digitais, que apresentam lucros imensos mas quase não pagam impostos locais. Já não há mais tempo a perder, nesse campo: a “poção mágica” deve ser distribuída pela aldeia global.