A América está sem Presidente e o homem que o fez eclipsar-se tem um nome: George Floyd. Seria só mais uma vítima da violência policial e de um crime racial na América. Mais uma, entre milhares que acontecem todos os anos, um episódio sem história. Mas o assassínio de George Floyd às mãos de um polícia, perante a passividade de outros três, detido por suspeita de tentar usar uma nota falsa de 20 dólares, vai ficar para a História. Aconteceu durante uma pandemia, numa crise económica sem precedentes, num país desigual, doente, assustado, dividido e sufocado, num ponto de ebulição de frustração. Ficou filmado, e antes de poder ser branqueado pelo sistema, saiu para as redes sociais e deu a volta ao globo. As suas últimas palavras antes de chorar pela sua mãe transformaram-se na voz não só de parte de uma nação, mas de milhões de pessoas por todo o mundo: “Não consigo respirar.”
Em poucos dias, o país incendiou-se. Quando o terreno está em brasa, uma pequeníssima faísca pode fazer nascer labaredas incontroláveis, já se sabe. Por todo o lado, manifestações, destruição, caos. O estado de emergência foi declarado em 40 das 75 cidades já tomadas pela convulsão. É fácil perceber porquê. Durante um incêndio descontrolado, a última coisa que se deseja é ter aos comandos das operações o maior dos incendiários. Onde faz falta a água para acalmar as chamas, alguém que deita mais lenha e gasolina para a fogueira.
Donald Trump gere esta crise social da única maneira que sabe: com o tato de um bulldozer, a consciência social de um pedregulho e o egocentrismo de um Narciso. Mais uma vez, ficou claro que Trump é incapaz para estar em funções como Presidente dos Estados Unidos da América, e sobretudo, como Presidente de todos os americanos. Trump é só o presidente de si próprio e dos seus interesses, do seu umbigo, do seu capachinho amarelo e do seu bronzeado falso. Por arrasto, preside também aos que estão com ele, o adoram e o seguem. Todos os outros não existem, não importam – de preferência, acabe-se com eles. O seu total e absoluto desinteresse em unificar os americanos nunca tinha ficado tão claro.
Tal como o tamanho da sua falta de humanismo, do seu sentido de Estado e de missão. Quando o New York Times lhe pergunta o que vai fazer perante os tumultos, Trump responde: “Vou ganhar as eleições facilmente… A economia vai começar a ficar bem e depois bestial, melhor do que alguma vez antes.” Essa não era a pergunta, está bom de ver, mas é tudo o que lhe importa.
Trump é um guerrilheiro, não um pacificador. E quando as coisas aquecem, ele fecha-se no bunker e desaparece para ir à luta, dedicando-se à única coisa para que tem arte: espalhar ódio, ignorância e pestilência pelo Twitter. Agora está em guerra com os manifestantes, a quem chama bandidos, em guerra com os governadores, que acusa de fracos, em guerra com todos – felizmente muitos, como indicam todas as sondagens – os que não estão com ele. Até já há republicanos e membros da sua própria equipa a desejarem ardentemente que ele pare de twittar, e vá governar. Ou seja, pacificar os ânimos, unificar a nação. Quando, na madrugada de segunda-feira, os protestos se agravaram em Washington, a Casa Branca ficou às escuras. Todas as luzes foram apagadas, as janelas ficaram pretas. O melhor símbolo de uma Presidência que se demite de fazer o que lhe compete.
2020 é o pior ano da História dos Estados Unidos da América desde o ano de todas as convulsões de 1968. Durante o seu inenarrável discurso inaugural, Trump usou a sinistra expressão “carnificina americana” para se referir ao período anterior. Pois, agora sim, aí está ela bem à vista de todos, com peste, desordem e desemprego. Esperemos que seja suficiente para lhe roubar a reeleição.