As prateleiras estão cheias de histórias e manuais de liderança em tempos de crise. Todos apontam regras essenciais – coragem, calma, comunicação eficiente, pulso firme, transparência – e os erros a evitar – afastamento, isolamento, responsabilização de terceiros. E, por mais rios de tinta escritos sobre o assunto, nenhum manual ensina o que é preciso fazer e como agir num momento de sério aperto. Cada crise é uma crise, e é exatamente durante as crises que melhor se vê de que fibra é feito um líder. A cabeça, a firmeza e a constância das decisões que consegue manter, a tranquilidade que passa a quem o segue, o exemplo inspirador que pode, ou não, ser.
Um estado de emergência é, sem dúvida, o maior desafio que um primeiro-ministro e um Presidente da República podem enfrentar. Tanto a nível institucional como pessoal e político, é preciso ter enorme sangue-frio para liderar em tempos que são excecionais, em que todas as máximas, as regras e todos os jogos de força anteriores se perdem. É preciso conseguir mudar tudo, liderar e gerir sem nenhuma rede. E aqui, António Costa, que se saiu mal durante a crise dos incêndios de Pedrógão, tem mostrado melhor capacidade de adaptação do que Marcelo Rebelo de Sousa.
Neste momento que é o mais desafiante desde os tempos da Revolução de Abril e do Verão Quente que se seguiu, o Presidente da República tem tido uma prestação errática. Começou mal, fechando-se na sua casa de Cascais, num gesto precipitado perante um teste negativo e sem sintomas de Covid-19, em que deixou no ar uma certa ideia de evasão na altura em que o País mais precisava de um Chefe de Estado presente. Foi um erro político, claramente o maior do seu mandato, e que procurou depois corrigir, emendando a mão.
Mas a bem-intencionada emenda pode ser pior do que o soneto. Passou de uma aparente fuga e isolamento a um excessivo protagonismo político, no que parece ser uma permanente competição, e disputa de tempo de antena, com o Governo. São as declarações diárias ao País para não dizer nada de novo ou relevante; são visitas a fábricas, a empresas e a produções agrícolas, pondo em causa muitos dos limites das recomendações de segurança para evitar o contágio; são as aparições mediáticas, como no programa Prós e Contras, num modelo pouco nobre para a sua figura de Estado. Para não falar da despropositada chamada do ministro das Finanças a Belém, a pedir-lhe para ficar em funções…
Percebe-se a angústia de um Presidente que assentou a sua marca distintiva num salutar e genuíno estilo de liderança de proximidade, de omnipresença, de ligações pessoais – os badalados e eficazes afetos. Em tempos de Covid-19, tudo isto, que era uma marca pessoal, não só não é recomendável como não faz sentido. Seria melhor para todos se Marcelo Rebelo de Sousa inaugurasse agora uma nova fase e um novo estilo, mesmo que isso implique enfiar de quarentena a sua persona e vestir, temporariamente, uma capa mais formal. Os tempos de emergência justificam limitar as suas intervenções públicas ao mínimo essencial – dando sentido de Estado e importância a cada uma delas. Concentrar-se no seu trabalho nos bastidores e na importante tarefa da magistratura de influência. Resguardar-se para intervir quando é essencial. Enquadrar, mas deixar o Governo governar, acompanhando as medidas levadas a cabo e incentivando a encontrar novas soluções económicas nunca testadas, para apoiar todos os que estão a passar um mau bocado. E zelar, à distância, pelo essencial: que quando o pior tiver passado, consigamos sair todos deste tsunami o melhor possível.