Vale a pena perder uns minutos a ler a moção “Voltar a Acreditar”, aquela que Francisco Rodrigues dos Santos apresentou no congresso do CDS-PP, do qual saiu líder. Embora o candidato se tenha esforçado, nos últimos tempos, por atenuar e até reescrever ou apagar o seu discurso anterior, a essência do seu pensamento e do que quer para o partido está bem clara nestas 33 páginas.
Não é preciso passar do primeiro parágrafo para se ler sobre o “momento de emergência patriótica que reclama um novo rumo para o País”, ou a “quadrilha das esquerdas unidas que tomou de assalto o sistema parlamentar”. Toda a sua proposta passa por “afinar o tiro e calibrar o discurso” e “oferecer um paradigma renovado”, que passe por um “CDS-PP reposicionado”, que seja “a Primavera que a direita tem de atravessar para se reinventar e renascer”. Sobre os outros, destacam-se as “práticas do arco-da-velha!” dos “grandes partidos incumbentes”, que “colonizam a administração abrindo portas ao clientelismo e corrupção endémicos”.
Todo o discurso mostra um quadro de pensamento ultraconservador, tradicionalista e nacionalista. Os valores e princípios em que assenta a sua “nova direita” são a dignidade da pessoa humana, com “a defesa intransigente da vida humana, desde a conceção até à morte natural”, a família, a segurança, a ética judaico-cristã, o reforço da identidade nacional e o trabalho. Francisco, note-se, era abertamente contra o aborto e o casamento homossexual.
Tudo isto cozinhado com algumas bandeiras liberais: menos Estado, menos impostos, menos burocracia. Qualquer semelhança com temas, causas e tom do Chega, com uns pozinhos da Iniciativa Liberal, não é coincidência. Aparentemente, Chicão quer levantar a parede que se dizia que existia à direita do CDS, e fazer dela um muro intransponível de betão. À sua direita, nada, e, para isso, acabou-se o comedimento no discurso e as falinhas mansas. Com uns laivos entre o popular e o populista, ele veio para bater em tudo e em todos, e gritar (muito e alto, como se viu no Congresso) que chega de moderação. Manuel Monteiro aplaudiria de pé.
Compreende-se pois que para a ala mais civilizada e tolerante do CDS, que inclui muita velha guarda dirigente, o dia em Aveiro tenha sido um rude golpe. Pires de Lima disse claramente que Francisco “precisava de apurar a sua cultura democrática e a cultura de respeito de quem pensa diferente”. Adolfo Mesquita Nunes questiona a estratégia de lançar o debate identitário do partido à exaustão e lança críticas duras à sua direção, que integra “dirigentes profundamente conservadores (um deles acha que a minha orientação sexual pode ser curada, por exemplo; só não me ofereço como cobaia para o provar errado porque tenho coisas melhores para fazer)”.
Os próximos meses dirão o que fará Francisco com o poder que conquistou. Se moderará o discurso ou se cederá à tentação de fazer do CDS um “partido sexy” (as palavras são dele), radicalizar o tom e atirar-se para fora do campo tradicional do CDS, disputando bandeiras, causas e estilos que não são os do partido. Fazê-lo tem riscos sérios: afastar o eleitorado que sempre foi o da direita democrática cristã e moderada, e trazer novas companhias com quem esta gente não se quer misturar. Com resultados que não são favas contadas: porque preferirá o eleitorado a cópia se tem as versões originais mais autênticas à disposição? Não o fazer também tem riscos sérios: deixar crescer à direita partidos e movimentos que lhe encolhem o seu espaço político. Aos 31 anos, Chicão tem a idade de Adelino Amaro da Costa quando fundou o partido. Refundá-lo pode estar nos seus planos. Resta saber se não é esse o caminho para a sua insignificância.