Três dos sete países com maior área florestal do planeta – Brasil, Estados Unidos da América e Austrália – são hoje governados por políticos que negam o aquecimento global e desvalorizam os sinais das alterações climáticas. Esse facto diz muito sobre o estado do mundo atual e, acima de tudo, sobre a impreparação e a leviandade com que estes líderes enfrentam aquele que é o maior desafio da Humanidade. Os incêndios de proporções nunca vistas que assolam a Austrália, desde há vários meses – como os que, no último ano, também deflagraram na Amazónia e na Califórnia, a que podemos juntar o degelo na Gronelândia ou a vaga de calor na Europa –, são mais uma prova de como o desastre climático é hoje uma realidade que passou já a ser “normal”. Por mais otimistas que queiramos ser, todas as semanas é anunciado um novo máximo climático em qualquer parte do mundo, bem como a ocorrência repetida de fenómenos que pensávamos ser esporádicos ou raros.
Como avisam os relatórios sobre as consequências do aquecimento global, aquilo a que se assiste atualmente na principal ilha da Oceânia é algo que, ao longo da próxima década, iremos presenciar mais vezes, noutras latitudes. E é bom que, no meio da tragédia, se aprendam, no mínimo, algumas lições, nomeadamente que é impossível deter incêndios florestais quando as chamas atingem determinadas dimensões. Como se tem visto em todo o lado, o aquecimento global não se combate com bombeiros, mas com políticas.
Em certa medida, e tendo em conta tudo aquilo a que estamos a assistir, a Austrália constitui quase uma metáfora do que tem sido a posição dominante dos países mais desenvolvidos do mundo face ao aquecimento global: muitas declarações bonitas e empenhadas, mas poucas ações concretas para ajudarem a mudar o estado das coisas. Muitos acordos assinados, mas pouco ou quase nada feito para transformar a economia responsável pelas alterações climáticas.
O grande desenvolvimento económico da Austrália iniciou-se há 30 anos, mais ou menos ao mesmo tempo em que se tornou consensual que a emissão de gases com efeito de estufa contribuía para o aquecimento global e se começaram a impor limites às emissões de carbono na atmosfera. Ao longo dessas três décadas, a Austrália cresceu de forma consistente e vigorosa a exportar os seus produtos para as economias asiáticas em expansão, em especial a China. Hoje, entre outros recordes, o país ostenta o de maior exportador mundial de carvão – o fóssil mais perigoso para o ambiente.
Nos últimos anos, a Austrália tem sido também um dos territórios mais afetados pelas mudanças do clima. Vive, desde o início do século, uma das piores secas de que há memória e tem assistido, impotente, à destruição da sua mais importante maravilha natural: entre 2016 e 2018, morreu metade dos corais da Grande Barreira de Coral, devido ao aquecimento da água do mar. Os atuais incêndios, que se prolongam há mais de quatro meses, são apenas um exemplo recente desta calamidade climática.
É impossível afirmar que tudo isto poderia ter sido evitado só por ação dos australianos. Mas o que sabemos é que sempre que, nos seus sucessivos governos, alguém tentou tomar medidas que promovessem, de facto, a transição energética e o combate ao aquecimento global, os seus esforços foram derrotados por interesses económicos mais poderosos. Ainda há cerca de um ano, o então primeiro-ministro Malcolm Turnbull foi obrigado a abandonar o cargo, pelo seu próprio partido, quando tentou fazer aprovar uma taxa de carbono na fatura energética. Para o seu lugar foi escolhido Scott Morrison, um defensor da indústria do carvão, que sempre manifestou a sua desconfiança perante as previsões “catastróficas” dos cientistas e que, confrontado com a seca no país e a dimensão destes incêndios, recusou estabelecer qualquer relação entre esses fenómenos e as alterações climáticas. Pelas reações que, entretanto, têm chegado, este fogo australiano teve, pelo menos, uma virtude: a de evidenciar a cegueira de quem devia liderar a preparar o futuro, mas que só consegue pensar no imediato. Infelizmente, não é caso único.