Há uma coisa que sabemos sobre as greves: para atingirem os objetivos propostos têm, obrigatoriamente, de criar danos – de preferência diretos (a penalizar a entidade empregadora) mas também quase sempre alguns colaterais. Por definição, as greves são uma espécie de último recurso, após a ausência de acordo negocial. E são, acima de tudo, uma demonstração de força e de unidade dos trabalhadores perante os seus patrões ou quem os representa. As greves são, por isso, um direito reconhecido nos países democráticos, onde são encaradas como uma arma excecional, mas legal e legítima.
No passado, é bom recordá-lo, as greves foram muitas vezes necessárias, um pouco por todo o lado, para se alcançarem direitos e regalias que hoje consideramos adquiridos e absolutamente normais, como o de ter dois dias de descanso semanal, a obrigatoriedade de usufruir de um número mínimo de dias de férias remuneradas, além de uma melhoria geral das condições de emprego, de acesso a serviços de saúde e tudo aquilo que, em termos laborais, faz da Europa o lugar mais civilizado do mundo para trabalhar.
Muita da nossa qualidade de vida atual é devedora daquilo que, no passado, alguns ousaram exigir como sendo justo, sem receio de iniciar processos reivindicativos por vezes longos e dolorosos. Embora, ao longo dos últimos tempos, tenhamos assistido também à eclosão de muitos processos com base em reivindicações absurdas, algumas até mesmo retrógradas e puramente corporativas, não há grandes dúvidas em como tudo seria pior se não existisse esta “liberdade de confronto” entre trabalhadores e patrões.
Steven Greenhouse, um antigo e respeitado jornalista do New York Times, que durante duas décadas cobriu o mundo do trabalho nos EUA, acaba de lançar um livro – Beaten Down, Worked Up – em que conta a história do sindicalismo americano e elogia precisamente a necessidade de existir um equilíbrio dinâmico nas relações laborais. Para ele, baseado num vasto conjunto de dados e em muitas entrevistas, é fundamental que as administrações das empresas sintam a vigilância e a exigência dos sindicatos e das associações de trabalhadores, para melhorarem as condições de trabalho, investirem mais em formação e, por via disso, aumentarem a competitividade das suas organizações. “Os sindicatos, e a sua capacidade de ter uma voz poderosa e coletiva para os trabalhadores, desempenharam um papel muito importante na criação da maior e da mais rica classe média do mundo”, escreve Greenhouse.
Uma grande parte da força da indústria alemã reside na forma como soube, há muito, acolher os representantes sindicais dos trabalhadores nos centros de decisão, construindo um clima de paz social que promove a produtividade, a integração e a valorização profissional – embora também com os seus inevitáveis movimentos grevistas, sempre que a corda estica demais. Este modelo, usado na fábrica da Volkswagen Autoeuropa, em Palmela, permitiu à Alemanha ter a melhor indústria do mundo, mas também os operários mais bem pagos, quando comparados com os seus parceiros americanos, japoneses ou coreanos, por exemplo.
A greve é um direito para, no fundo, tentar repor um equilíbrio entre duas partes, mas deve ser sempre um último recurso. E assim deve ser encarada tanto pelos representantes dos trabalhadores como pelos das entidades patronais, em especial quando os danos colaterais são elevados. Não foi nada disso que se viu, nas últimas semanas, no conflito que conduziu à declaração de “crise energética” pelo Governo. O “espetáculo” foi exatamente o inverso: os dois lados a acicatarem-se, num descontrolo desproporcionado, muitas vezes malcriado e profundamente egoísta, que os conduz para becos sem saída e sem se preocuparem com as consequências. Esta greve é o pior serviço ao nobre e livre direito à greve.