Quando comecei a trabalhar em jornalismo, fui colocada, não propriamente por vocação, na área dos mercados financeiros. Por esta altura, há 20 anos, viviam-se tempos de euforia. Estávamos em plena excitação das “dotcoms”, com as empresas tecnológicas a estrearem-se em bolsa que nem cogumelos e a baterem máximos históricos dia após dia. Bastava a atividade estar muito vagamente relacionada com a palavra mágica internet, e lá iam elas por aí acima. Para uma jovem jornalista, que ainda por cima vinha de Direito, eram tempos confusos. Andava, por minha iniciativa, a ler os manuais clássicos de economia e empresas, para me inteirar de alguns conceitos fundamentais, o que só me deixava ainda mais baralhada: nada daquilo que lia nos livros batia depois certo com o que via acontecer todos os dias nos mercados.
A vantagem de ser muito jovem e inexperiente era que podia fazer perguntas idiotas à vontade, e fi-las sempre que tinha oportunidade de falar com analistas ou gente da banca de investimento. “Mas porque é que nenhum dos critérios fundamentais de avaliação de empresas se aplica a estas empresas tecnológicas?”, questionava. Olhavam para mim como se fosse, efetivamente, idiota, tentavam engolir o desdém e não pronunciar alto um “pobre rapariga”, e respondiam-me com convicção: “É preciso perceber que se vive um novo paradigma!” Eu acreditava, pois claro, era com certeza por ser tão nova nestas andanças que a “nova economia” teimava em não se desenhar à frente dos meus olhos com clareza. “Get rich quick” era o slogan que todos tinham na cabeça em busca dos milhões que os esperavam em empresas que nunca tinham dado um cêntimo de lucro na vida – quem fica para trás é tolo.
E foi assim, entre gente que não queria ser tola, que o tal “paradigma” subiu aos píncaros da loucura – o Nasdaq (o índice de referência das empresas tecnológicas) dobrou de valor em menos de um ano – e se estatelou por ali abaixo com estrondo inigualável. A partir de março de 2000, a sangria foi generalizada. Ainda mais depressa do que insuflaram, esvaziaram-se como um balão desvairado ao qual abriram o gargalo, deixando um rasto de enormes perdas pelo caminho. Num ápice, a esmagadora maioria das “dotcoms” já estava em processo de venda, fusão ou falência mal se esgotou o dinheiro.
E porque me lembro disto agora? Porque muito do que se ouve hoje nos mercados soa-me familiar – lembra o velho discurso do “novo paradigma”, algo que me ficou eternamente como sinal de alerta. Hoje, a esmagadora maioria das empresas que procuram fazer IPO (Ofertas públicas de venda iniciais) também não dão quaisquer lucros – 84%, para ser precisa, quando há 10 anos apenas 33% das empresas que queriam ir para bolsa não tinham resultados positivos. É preciso, de facto, recuar aos tempos da euforia tecnológica para se encontrar tanta diferença entre a realidade das contas e os lucros prometidos. Com a diferença de que, em 2000, a promessa de lucros vinha com a promessa de crescimento, agora as empresas como a Uber, o Snap ou o Spotify escalam e tornam-se gigantes ainda antes de lá chegarem, mas continuam a perder dinheiro. Os unicórnios (as empresas que atingem a mítica marca de avaliação superior aos mil milhões de dólares) esclarecem aqueles que franzem o sobrolho, dizendo que hão de crescer mais ainda e conseguir melhores margens. Acontece que nada disto é garantido, primeiro porque surge concorrência e sobretudo porque muitas começam a ter grandes problemas regulatórios pela frente em mercados importantes como na Europa, onde as regras do novo Regulamento de Proteção de Dados e uma comissária para a concorrência dura de roer estão a complicar-lhes a vida.
A Economist fez na semana passada as contas a 12 unicórnios: seria preciso que aumentassem vendas a 49% ao ano durante 10 anos para que as atuais avaliações se justificassem. E, mesmo que o conseguissem, as margens teriam de aumentar em 34%, algo sem precedentes mesmo em empresas tão bem-sucedidas como a Google, a Amazon ou o Facebook. O que faz muitos acreditarem que tempos difíceis virão para estes unicórnios e outros milhares de wannabes: provavelmente, na sua maior parte, não passarão de póneis – engraçados, sem dúvida, mas pouco prestáveis para trabalhar e ganhar dinheiro
(Editorial publicado na VISÃO 1365 de 2 de maio)