A dama de ferro da Europa também se chama Margarida. Tal como a original Dama de Ferro, esta também não se deixa dobrar. “The lady is not for turning”, disse um dia Margareth Tatcher, ganhando o epíteto que se colaria a ela para sempre. A Margarida implacável dos dias de hoje é Margrethe Vestager, gosta mais da frase “o que tem de ser tem muita força” e é comissária europeia com a pasta da Concorrência. A dinamarquesa tem dossiês entre mãos que podem determinar, muito mais do que a maioria tem noção, o nosso futuro – ela é hoje, sem qualquer dúvida, uma das personalidades mais influentes do planeta.
Tudo porque Margrethe Vestager decidiu tomar, na Europa, as rédeas da guerra contra as gigantes tecnológicas como o Google, Facebook, Apple e Amazon. Podia ter encolhido os ombros e dado o monopólio dos players globais como um revés irremediável do progresso tecnológico, mas recusou-se a baixar os braços. Foi Vestager quem promoveu os megaprocessos contra estas gigantes que, no ano passado, já resultaram numa multa recorde imposta à Google de 4,3 mil milhões de euros por abuso de posição dominante com o sistema operacional para dispositivos móveis Android (no total já obrigou a Google a desembolsar €8,2 mil milhões em multas). Antes já tinha forçado a Apple a pagar €13 mil milhões à Irlanda, por vantagens fiscais que considerou indevidas.
Agora volta a estar na ribalta, em defesa das empresas de média regionais, numa crise profunda ditada pelo advento do digital. No seu gabinete em Bruxelas, Vestager tem, além das fotos de família (ela é filha de pastores luteranos), uma peça de cerâmica caricata: uma mão fechada, em que sobressai o dedo médio em riste. Foi uma peça que lhe ofereceram os sindicatos quando ainda era vice-primeira-ministra da Dinamarca e defendeu medidas que incluíam a redução do subsídio de desemprego. Diz que o objeto fá-la recordar diariamente que, em política, é preciso tomar decisões difíceis e que estas nunca agradam a todos.
Deve ter sido a olhar para ele que, nos últimos dias, veio recusar-se a deixar cair a taxa GAFA (acrónimo de Google, Apple, Facebook e Amazon), que visava impor um imposto de 3% sobre as receitas de publicidade de firmas tecnológicas com receitas globais acima dos 750 milhões de euros, obrigando a uma repartição dos lucros astronómicos que fazem à custa dos conteúdos alheios.
Não conseguindo um acordo com a Suécia, a Finlândia, a Irlanda e a Dinamarca sobre a forma como seria aplicada tal taxa, impedindo um consenso europeu, Vestager veio dizer que o melhor é a França e o Reino Unido, que têm defendido com fervor esta medida, avançarem já. A legislação europeia harmonizada seria o ideal, mas o ótimo por vezes é inimigo do bom. “A Europa tem de apontar o caminho para a taxa digital”, reiterou a comissária que em novembro se enfileira para substituir Jean-Claude Juncker à frente da Comissão Europeia. É um facto: é impossível ficar de braços cruzados perante as centenas de pequenas empresas de média em crise, com modelos de negócio esmagados por players tecnológicos que abocanham a fatia de leão das receitas comerciais na internet. Fazer jornalismo de qualidade tem um preço, e o digital só por si dificilmente consegue pagá-lo. Não tenhamos dúvidas: o futuro dos média joga-se hoje sobretudo aqui, e em causa está a sobrevivência do quarto poder, garante da democracia. É por isso que o Estado português deve também fazer a sua parte, pressionando em tudo o que estiver ao seu alcance, de forma a refrear estes monopólios digitais e impondo uma presença mais justa e concorrencial no mercado. Muitos Davids contra os Golias sempre causam alguma mossa.