Já devíamos estar avisados. Pelo menos, desde o tempo em que ouvimos, pela primeira vez, a história de como Colombo conseguiu pôr um ovo em pé, graças a um truque tão simples que qualquer um podia ter pensado nele antes. A moral da velha lenda, transformada em metáfora e repetida de boca em boca há quase cinco séculos, já dizia tudo: as melhores ideias são sempre as mais simples… e também as que provocam as maiores invejas.
Temos, agora, um exemplo recente disso, com a entrada em vigor, nos próximos dias, dos novos passes de transporte público, nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, bem como em 21 comunidades intermunicipais, com um preço extremamente competitivo face à “oferta” do automóvel próprio e, por via disso, com consequências positivas ao nível do ambiente.
A prova de que esta é uma boa ideia pode ser atestada logo na comunhão de vontades e de interesses que foi obrigada a reunir para poder ser concretizada: executivos camarários de quase todos os espetros partidários tiveram de chegar a um entendimento comum que, por sua vez, foi aceite por uma série de empresas públicas, municipais e privadas. Também se percebe que a ideia é boa, quando se ouvem tantos a reclamar a sua paternidade – desde o PCP ao CDS-Madeira – ou a querer sublinhar o seu empurrão decisivo para que ela se tornasse realidade.
Compreende-se que assim seja: a medida é boa e, ainda por cima, tem tudo para ser muito popular, pois vai aliviar os orçamentos de milhares de famílias, em especial nas áreas mais populosas do País, onde, em média, os utentes dos transportes públicos “perdem” mais tempo em deslocações diárias (42 minutos em Lisboa e 33 minutos no Porto, em média, por percurso). Também é boa porque, como se viu no caso das companhias aéreas low-cost, vai angariar novos “clientes” para as empresas de transportes públicos, atraídos pelo preço, num movimento que as obrigará a melhorar a qualidade do serviço e a investir em equipamentos para fazer face à procura dos consumidores. Finalmente, é uma medida necessária para o nosso futuro coletivo: quanto mais pessoas andarem em transportes coletivos – de preferência elétricos ou movidos a energia “limpa” –, menos gases com efeito de estufa estaremos a emitir para a atmosfera. E, com isso, teremos ainda mais ganhos para investir nos transportes, pois esta operação é financiada através do Fundo Ambiental, em que dois terços das suas receitas provêm dos leilões europeus das emissões de dióxido de carbono. Ou seja: quanto menos emitirmos, mais poderemos vender. Como, segundo as contas do Governo, esta medida pode representar uma poupança de “72 mil toneladas de emissões de dióxido de carbono por ano”, há aqui também um significado financeiro – enquanto, em outubro de 2017, se vendia cada tonelada de carbono a cinco euros no mercado europeu, agora o seu preço já é superior a 15 euros. E tudo indica que vai continuar a subir.
O problema, segundo os críticos, é que esta é uma medida eleitoralista e que não atenua as diferenças entre o Litoral e o Interior. Pode ser que exista aí alguma razão. Mas são argumentos demasiado fracos para a importância de uma ideia que, se correr bem, terá um efeito verdadeiramente transformador em grande parte da população e na forma como se podem conjugar esforços na administração do território, unindo câmaras das mais diversas cores partidárias. Isso, sinceramente, é que devia estar a ser valorizado agora (até porque, em termos eleitorais, todos os partidos podem vir a beneficiar desta medida nas próximas autárquicas).
As boas ideias são normalmente simples. Sabemo-lo por experiência própria, nomeadamente com algumas de que agora nos orgulhamos, sem nos preocuparmos se, na época, quando foram introduzidas por empresas de capitais públicos, serviram ou não de arma para ganhar eleições: a rede multibanco, a Via Verde ou os primeiros telemóveis com cartões pré-pagos. Ainda bem que é assim: quando as boas ideias correm bem, no fim, ganhamos todos.