Se perguntarmos a qualquer pessoa se costuma roubar bens das prateleiras do supermercado e passar pela caixa sem pagar, a primeira reação é de choque e indignação. Como é evidente, uma pessoa de bem não anda a furtar coisas por aí. No entanto, a maior parte dessas pessoas, cheias de bons valores e princípios, fá-lo regularmente.
A maior parte delas, sem se dar conta nem ter noção de que está a infringir a lei e a cometer um crime. Onde? Nas redes sociais, pois claro, um novo faroeste onde diariamente passam impunes os mais variados delitos. Não há vez que entre no Facebook e não dê de caras com alguém, entusiasmadamente, a partilhar versões integrais de textos publicados em revistas e jornais. Numa atitude que, na maior parte dos casos, até pretende ser elogiosa em relação ao autor ou ao meio. Ah, que belo texto, deixa-me cá tirar uma foto e partilhá-lo com os meus amigos. Gostei muito deste artigo que li online, vou fazer “copy paste” e colocá-lo na minha página. Olha esta foto tão bonita, vou usá-la para um post meu. A minha empresa saiu aqui neste artigo, tenho de mostrá-lo a toda a gente.
Só que não, dir-se-ia nas redes. Não é elogioso – é crime. Mas, mais do que ser crime de violação de direitos de autor, é aquilo a que chamo falta de educação digital. Numa atitude didática, faço questão de explicar isso a quem o faz por sistema – e não raras vezes, trata-se de distintas figuras da comunicação e do marketing, dos média, da política. Digamos que perco algumas horas da minha vida nesta luta inglória, alguns dirão que é quixotesca, uma causa perdida. Sinto-o como meu dever. Mas a verdade é que muitos não têm, de facto, a menor ideia de que não devem fazê-lo, porque desconhecem completamente a lei e nem pararam para pensar dois minutos.
Há pouco tempo, abordei os administradores de um grupo fechado de fãs no Facebook que, todas as semanas, se dedicavam a copiar os textos e ilustrações de um dos cronistas da VISÃO, depois de publicados no nosso site. Expliquei-lhes que se gostavam mesmo dele e queriam continuar a ler as suas crónicas na VISÃO, seria bom comprarem a revista ou partilharem o link do artigo publicado online. E não, não se tratava de publicidade: seria assim se apenas partilhassem uma pequena parte de um texto ou uma fotografia que apanhasse um destaque, jamais uma versão integral.
Se todos fizessem como eles, e por absurdo todos copiassem ou tirassem fotografias do que mais gostassem num órgão de comunicação social e o colocassem em grupos, como é que se pagariam os artigos que tanto apreciavam ler? Foi uma epifania: nunca tinham pensado nisso, desfizeram-se em desculpas sinceras, decidiram acabar com a página imediatamente (e precipitadamente, não seria preciso tanto). Faço isto todas as semanas, é quase sempre esta a reação.
É importante pararmos para pensar no problema, que é mais abrangente. Falta, em Portugal, mais e melhor educação para a cidadania digital – isto ainda é tudo muito novo. Há quem ainda não perceba que não pode dizer e fazer tudo na internet e nas redes sociais, que não pode escrever coisas ou mostrar fotos de que mais tarde virá a arrepender-se, que não deve referir-se a alguém em moldes que jamais lhe diria cara a cara, que poderá não sair impune das ameaças, calúnias e ofensas feitas atrás de um computador. Como há quem não perceba que, ao roubar sistematicamente conteúdos alheios e ao partilhá-los, se comporta como um gangster digital – para usar a feliz expressão com que foi apelidado esta semana Mark Zuckerberg num relatório oficial.
A violação dos direitos de autor é só uma pequena parte das condutas impróprias que temos online, mas é uma parte importante para a sobrevivência dos média. Quando em causa estão conteúdos de meios de comunicação social, o tema agrava-se, porque se trata da subtração de receitas publicitárias ou de banca (na versão em papel) que permitem a sua subsistência.
É uma pequena parte, é certo, mas é o princípio que está em causa. Os mesmos que bradam aos sete ventos o seu amor pelo jornalismo de qualidade e pela importância do papel, ou os mesmos que dependem dele porque trabalham na área da comunicação ou na vida pública, são tantas vezes aqueles que depois se esquecem de como é que estes meios se financiam (e, já agora, da situação financeira delicada, para usar um eufemismo, por que muitos passam nos últimos tempos).
Querem coisas boas e relevantes para ler e partilhar? É da responsabilidade de todos – uma questão de cidadania – ajudar a pagá-las, com a compra, a assinatura ou o clique. Sem isso, ficaremos condenados a um mundo sem contrapoder, de lixo e de fake news.