Se Portugal fosse uma caravela a navegar no mar, para usar uma metáfora bem lusitana, António Costa e Mário Centeno teriam chegado ao leme no fim de uma violenta tempestade que quase a afundou. Ambos têm o mérito de ter conduzido com mestria a barcaça que metia água e estava de velas rasgadas, mas tiveram o vento a soprar favoravelmente em direção a porto seguro. Aproveitando a calmaria da bonança, conseguiram prosseguir a viagem, tapar os rombos que deixavam entrar água, remendar as velas e, tão ou mais importante, reanimar a tripulação. Fizeram a todos crer que, afinal, o barco era sólido e resistente, e que a enseada tranquila estava mesmo ali, umas curtas milhas adiante.
Mas, tal como em qualquer longa viagem, é a reta final a que mais custa. Se o barco é resistente, porque não vamos mais depressa, perguntam-se os homens? A tripulação está cansada e ansiosa, quer ver-se de pés em terra firme rapidamente. E quer, sobretudo, o seu quinhão de recompensa por ter conseguido ajudar a concluir a travessia. Acontece que os ventos começam agora a dificultar a vida aos comandantes. A brisa suave e favorável começa a transformar-se em vento de proa. O percurso adiante obriga a navegar à bolina com velas frágeis, e muitos reclamam alto e bom som quando não veem o barco enfileirado na direção que tinham em mente. Começam a escassear alguns bens de primeira necessidade e a água está racionada. Há contestação nas hostes: porque é que não temos todos direito às mesmas quantidades? E, ao contrário do que todos gostariam de acreditar, a terra firme que teima em chegar não é tão tranquila assim: está longe de ser a bonomia da Ilha dos Amores de Camões.
Não tenhamos dúvidas: a epopeia de António Costa e Mário Centeno tem, em 2019, o seu capítulo mais difícil. Tudo se conjuga para fazer deste ano uma viagem complicada. Foi preciso esperar uma década para a economia regressar ao ponto em que ficou em 2008, antes da crise financeira que marcou o ciclo negro para Portugal. Se a Zona Euro teve em 2017 o melhor desempenho em dez anos, 2019 será um ano em que o abrandamento económico se fará sentir mais, continuando o caminho que já começou a verificar-se em 2018. O FMI estima que, em Portugal, o crescimento caia de 2,3% para 1,8% para o ano, e ainda faltam 100 mil empregos para voltarmos aos tempos de pré-crise. Por outro lado, a contestação interna não dá sinais de abrandar: o veto presidencial, embora formal, deu força à luta dos professores pelo reconhecimento do tempo de serviço, os enfermeiros prometem não baixar os braços, e há mais greves setoriais um pouco por todo o lado, na Função Pública e nos privados, que não matam mas moem (juízes e oficiais de justiça, estivadores, registos e notariado, SEF, impostos e alfândegas, etc.). Marcelo Rebelo de Sousa continuará a oscilar entre o papel de elemento apaziguador e de fiscal implacável, não facilitando no cumprimento da lei constitucional.
Para refrear as exigências de um povo e dos parceiros de geringonça, que se convenceram de que estavam em terreno seguro, será preciso agora recuperar algum do argumentário que tanto foi criticado em Pedro Passos Coelho, quando em ano de eleições diz a prática (por vezes, irresponsável) que é suposto aliviar o tom do discurso e os cordões à bolsa.
Até outubro teremos uma travessia complexa, em que os comandantes ao leme terão de usar de toda a sua destreza na condução do barco e da tripulação. A pensar na reeleição, é fácil cair na tentação de ceder em todas as frentes (com os resultados que estiveram bem à vista em 2009 com Sócrates), prejudicando o esforço nacional de reequilíbrio das contas públicas. Com o endividamento do País acima dos 120% do PIB, para bem de todos esperemos que não o façam. Mais vale prosseguir à bolina do que andar para trás.
(Editorial da VISÃO 1348 de 3 de janeiro de 2019)