A política europeia assemelha-se cada vez mais à versão de “tiki-taka” que a seleção espanhola apresentou no Mundial de Futebol da Rússia, como se viu desta vez sem rasgo nem glória e a anos-luz daquele estilo inovador com que, no passado recente, empolgou e dominou o planeta futebolístico. Os sinais de decadência são evidentes e muito parecidos. Apesar de continuarem a existir ideais nobres, de os seus dirigentes persistirem em proclamar uma ideia central de jogo ou de ação baseadas na solidariedade e na coesão, bem como um esforço permanente para se ser fiel aos princípios fundadores, já nada funciona na prática, em qualquer dos casos.
Na seleção espanhola, apenas resta a ilusão de que se “joga bonito”, roubando sempre a bola ao adversário, mas sem saber muito bem o que fazer com ela nem como encontrar o caminho para o objetivo central do jogo: marcar golo. O jogo de despedida deste último capítulo de “tiki-taka” foi absolutamente revelador: apesar de ter conseguido uma percentagem de posse de bola de uns impressionantes 74% e realizado mais de mil passes entre a equipa, o único golo dos espanhóis foi resultado de… um autogolo de um jogador russo. Presos a uma ideia já gasta do “tiki-taka”, os espanhóis ficaram enredados no seu próprio labirinto, como se ele fosse o fim em si mesmo.
O “tiki-taka”, como sabemos, baseia-se num princípio de união de equipa, dando a mesma importância e relevância a todos os jogadores, e assente num espaço geográfico comum. Princípios semelhantes, de facto, às ideias fundadoras da União Europeia e que justificam, por isso, esta comparação. Até porque a Europa também parece, cada vez mais, encurralada no seu próprio “tiki-taka”, muito virada para dentro, com os seus líderes e dirigentes a multiplicarem-se em cimeiras, reuniões bilaterais e declarações de interesses, mas sem conseguirem alcançar qualquer efeito prático na questão mais urgente, essencial e decisiva para o futuro da União: a resposta, humana e digna, que é preciso dar à crise dos refugiados.
Não é retórica: no caso dos refugiados, o resultado final é bem mais importante do que o estilo de jogo. Acima de tudo, porque o que está em causa é a própria ideia em que a Europa assentou a sua união e que, a partir daí, se arvorou em exemplo para o mundo, conforme deixou escrito no Tratado da União: “A ação da União na cena internacional assenta nos princípios que presidiram à sua criação, desenvolvimento e alargamento, e que é seu objetivo promover em todo o mundo: democracia, Estado de direito, universalidade e indivisibilidade dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, respeito pela dignidade humana, princípios da igualdade e solidariedade e
respeito pelos princípios da Carta das
Nações Unidas e do direito internacional.”
São estes, de forma clara, os princípios, valores e objetivos de que a Europa não pode prescindir, em momento algum, se quiser continuar a ser um espaço único de liberdade, democracia e esperança, no planeta. Mas isso só sucederá se, de facto, os seus dirigentes mudarem de estilo de jogo. Deixarem de estar encurralados neste “tiki-taka” e, continuando na metáfora do Mundial, utilizarem as armas de quem, na verdade, está a ganhar os jogos, como a Bélgica ou o Uruguai: olhos fixados no objetivo, com movimentações velozes e certeiras diretamente ao que interessa.
É isso que se devia esperar dos líderes europeus: rapidez de atuação, dentro dos princípios da União. Até porque, como sabemos, é precisamente esse imobilismo e o jogo “sem golos” que têm levado à descrença dos cidadãos pelos partidos políticos tradicionais e à sua penalização em todos os atos eleitorais.
O tempo mudou, e o jogo também tem de mudar. Quem não o perceber tem o destino traçado: é eliminado mais cedo. No futebol e na política.
(Editorial da VISÃO desta semana)