E tu, és a favor ou contra a Independência da Catalunha? A frase ouvia-a uma série de vezes nas últimas semanas, como se este fosse um assunto de resposta sim ou não, sem áreas cinzentas, em relação ao qual temos de ter respostas inequívocas: separatista ou espanholista, você decide. Opina-se de acordo com uma lógica esquerda-direita e arruma-se o assunto.
Acontece que dúvidas tenho muitas e certezas tenho cada vez menos acerca de todo o processo, altamente complexo e com repercussões potenciais dramáticas na Europa.
Quanto mais leio, mais Puigdemont me inquieta. Por muito que tente perceber as razões de fundo da identidade catalã, só vejo um homem para quem a lei não tem qualquer valor, que manipula os números a seu bel-prazer, que distorce a realidade, que não admite opiniões contrárias e despreza todos e quaisquer outros argumentos (para quem todos os que não estão com ele são “fascistas”).
Desde o início que a sua “tese” não cola como deve de ser. Há, desde logo, um problema de legitimidade e de representatividade em todo este processo. Os factos são estes: segundo os organismos oficiais catalães, a simpatia pela causa independentista vem a cair desde 2013 e não chega sequer a metade da população. O referendo foi convocado de forma ilegal, e como tal quaisquer resultados viciados por este “pecado original” são desvirtuados à partida. Votaram, no total, 2,286 milhões de pessoas, 43,03% dos eleitores registados, sendo mais do que lícito supor que os que se mobilizaram para ir votar nestas condições foram os fervorosos apoiantes da causa. A independência foi na semana passada aprovada na Generalitat com apenas 70 votos a favor – para uma decisão desta relevância não é de exigir uma maioria de dois terços? Hoje, as sondagens (encomendadas pelo El Mundo e pelo El País), concluídas antes da proclamação de independência, dão perda da maioria absoluta para os independentistas.
Percebo as especificidades históricas da Catalunha e a identidade destas pessoas (se podemos chamar-lhe um povo no sentido em que a Carta das Nações Unidas protege, é todo outro debate), mas quando o oiço falar da subjugação dos catalães à vontade de Madrid, não vejo onde está a opressão esmagadora ao estilo colonial de que se queixam os independentistas. Vejo sim uma nação com a maior autonomia da Europa conferida nos seus estatutos (maior do que os Länder alemães e do que as regiões autónomas portuguesas), onde se respeita a cultura e os hábitos locais.
Tremo quando atiram o argumento económico, um dos que mais pesa a favor da causa, que viu maior apoio no auge da crise financeira. “Madrid nos roba!” é um slogan que se vê em todas as manifs, apelando ao facto de a região ser rica e passar melhor por isso sozinha. Como contribuem para as contas espanholas com cerca de um quinto do PIB espanhol – e pagam mais 10 mil milhões de euros do que recebem de volta – os catalães estão cansados de pagar pelas regiões mais pobres, justificam. E, afinal, os fascistas são os outros?
Defeito de profissão, olho para a comunicação social e vejo os órgãos públicos financiados pelo governo catalão (TV 3 e a Rádio Catalunya) doutrinados comme il faut: as vozes contrárias não têm lugar nos debates e na opinião. Na Catalunha de Puigdemont, pelos vistos vingam as regras da manipulação da informação e do pensamento único.
Pergunto-me – é mesmo este o líder que os catalães querem que decida o seu futuro? Por mais que alguma causa me fosse querida, jamais daria poder a um homem ou grupo com estas características. Como bem sabemos e já vimos acontecer na História, pode bem ser o caminho para o abismo: a distância que separa um revolucionário bem-intencionado de um ditador é curta, e os ingredientes estão todos lá.
Nota: À hora de fecho desta página, pelas 15h de segunda-feira, Puigdemont e outros separatistas que foram acusados de rebelião encontravam-se na Bélgica
(Editorial publicado na VISÃO 1287, de 2 de novembro de 2017)