No final do ano, duas primeiras páginas de diários espelharam uma verdadeira guerra dos sexos: uma, onde só homens discorriam sobre o que 2017 nos traria, e outra, numa resposta provocatória de outro jornal três dias depois, onde apenas mulheres anteviam o futuro (chamaram-lhes “personalidades”, e eram também 10). Não sei, francamente, o que, como mulher, me indigna mais: se por sistema, só se encontrarem vozes masculinas dignas de pensar (e nas empresas e instituições homens dignos de mandar), se a atitude paternalista e obviamente artificial de só lhes darem voz ou lugares de destaque como golpe de marketing.
Não sou nem nunca fui uma “perigosa” feminista (e muitas vezes discordei dos argumentos utilizados, mas isso dá pano para muitos outros milhares de caracteres). Sou sim, convictamente, pela liberdade e pela igualdade: de género, raça, credo ou orientação sexual. Se isso infelizmente ainda coincide com exigências ditas feministas mas que não são mais do que exigências de cidadania, é outra questão que diz muito sobre o caminho que ainda há a trilhar. É espantoso como, tantos anos depois de conquistarem os seus direitos e de tantos estudos feitos sobre a matéria, ainda não é um dado adquirido que as mulheres, tal como os homens, acrescentam valor a um trabalho, a uma organização ou a uma equipa.
O tema está na ordem do dia por todo o lado – por cá, o Governo prepara-se para apresentar em breve uma proposta de lei com quotas para as empresas, Administração Pública e setor empresarial do Estado –, mas a verdade é que o mundo recuou uns bons anos nesta matéria. Ainda há dias, o New York Times publicou um artigo cujo título era O Feminismo está perdido. E agora?. Os Estados Unidos da América assistiram à campanha mais violenta e sexista da sua história e terão em breve aos comandos um homem preconceituoso, racista e profundamente misógino. Os americanos decidiram e, naquela eleição (longe de Hillary ser a escolha feminista óbvia, mas apenas o mal menor), estava também em causa aquilo que às mulheres é permitido atingir versus as ofensas que aos homens eram consentidas. Ganharam eles, perderam elas: com a vitória de Trump ficaram também legitimados os ultrajes, as afrontas e a menorização da condição feminina no país mais poderoso e influente do globo. A 21, dia seguinte à tomada de posse, esperam-se 200 mil mulheres nas ruas de Washington em protesto.
Na Europa, Theresa May e Angela Merkel são honrosas exceções, num mundo onde elas estão ainda muito longe das cadeiras do poder, seja na política ou nas empresas. Segundo os últimos dados das Nações Unidas, dez mulheres servem como chefes de Estado e nove como chefes de Governo. Nos parlamentos, não chegam a 22% o número de mulheres eleitas – mais nos países nórdicos (41%), menos na Europa do Sul (24%) e muito poucas nos países árabes ou Pacífico (18 e 14%).
Nas empresas, a mesma discrepância: nas 500 maiores empresas do mundo, que compõem o índice S&P500, há apenas 23 mulheres CEO. Só 4,6%. Tão poucas para um mundo com tanta testosterona aos comandos, onde um equilíbrio nos lugares de chefia ainda é uma miragem. Miragem que, ao não se tornar realidade, sai cara. Um relatório da McKinsey intitulado O Poder da Paridade estimou que a redução da desigualdade económica entre homens e mulheres poderia aumentar a riqueza global em 12 biliões de dólares em 2025.
O que falta para as mulheres chegarem lá a cima? Discordo das quotas (voltarei ao tema um dia destes), mas acho que falta educação, falta justiça social e falta sobretudo visão estratégica e vontade. E muitas vezes, vontade própria, como bem lembrou Sheryl Sandberg, COO do Facebook no seu livro Lean In (Faça Acontecer – Mulheres, Trabalho e a Vontade de Liderar). Educadas para pensar que a ambição é um defeito, corroídas por um “sentimento do impostor” por acharem que não são suficientemente boas para um lugar – coisa que raramente acontece com os homens –, as mulheres acabam por se deixar ficar para trás.
E, depois, há o peso do “mito da perfeição”: muitas ainda acreditam que têm de ser profissionais de excelência, as melhores e mais presentes mães do mundo e donas de casa/esposas exemplares, e culpam-se quando falham nalguma das frentes. O problema é que, supermulheres ou mulheres perfeitas, só nos filmes. E mesmo essas não têm graça nenhuma…
Artigo publicado na edição 1244 da revista VISÃO, de 05 de Janeiro