O Presidente da República – como ninguém, e talvez como nenhum antecessor – entrou em Belém a distribuir alegria a um povo que andava macambúzio. Só isto já é obra de mérito. Está famoso. A fama, porém, costuma dizer-se, é efémera e ingrata.
Marcelo espalha afetos e fala, e ri, e dança, e reza com o povo. Ainda mal tinha chegado de Moçambique, para onde partira mal regressara de Itália, onde se deslocara após uns dias passados no Alentejo, e eis que voltamos a vê-lo na rua, desta vez na procissão da Senhora da Saúde, distribuindo sorrisos e cumprimentos, tornando- -se, segundo assegura o Público, no primeiro Presidente da República democrático a participar no cortejo religioso.
Como já alguém notou, estávamos habituados a ver Marcelo Rebelo de Sousa uma vez por semana. Agora, a presença é, pelo menos, diária.
Não o vemos apenas na sua faceta de distribuidor de afetos. Vemo-lo, ou melhor, ouvimo–lo, muitas vezes, na sua qualidade de analista político, talvez esquecendo-se de que agora é muito mais do que isso. Em Moçambique, disse à SIC que “é como é”, que sabe ter pose de Estado e sabe confraternizar. Subentende-se que também se sente confiante na sua arte de distinguir o que deve comentar e o que deve calar. É que por enquanto tudo tem graça, ninguém leva a mal. O problema pôr-se-á quando chegarem assuntos mais sérios.
Marcelo estava no Alentejo, no seu “Portugal Próximo” – versão afetuosa das Presidências Abertas –, e saboreava um gin feito em Reguengos, que descreveu como “leeeeve”: “Todos os políticos deviam tomar disto. Ficariam mais suaves, é ótimo para a descrispação.” Fosse outro o ambiente e logo haveria quem começasse a tentar encontrar sinais escondidos sobre o destinatário do recado: em que político crispado estaria o Presidente a pensar?
Pulou depois a Itália. E não foi preciso estar por lá muito tempo para reagir a mais do que um aspeto da entrevista que Passos Coelho deu ao Sol. O ex-primeiro-ministro descrevera “o dr. Rebelo de Sousa” como alguém “que está satisfeito, que está contente” e que tem “uma certa imagem de felicidade que irradia”. Não se conteve o visado e logo explicou que lia nessas palavras um “simpático elogio. Mal fora que o Presidente irradiasse infelicidade, azedume, má disposição”.
Não se ficou por aqui. À declaração de Passos de que “os consensos com este PS são impossíveis” e ao encolher de ombros de António Costa a esta análise (quando se limitou a comentá-la com um singelo “é a vida”), o Presidente contra-atacou: “Existem consensos mesmo quando os próprios dizem ‘não, eu não tenho noção de que haja consenso’.” Precisou, ainda, que também há “consensos tácitos”.
Ficou, pois, claro que está revogada a norma de que não se fala da política de casa em terra alheia. Menos um tabu que vinha do passado, tantas vezes proclamado (quando o comentário não era conveniente) e tantas vezes ignorado (sempre que foi conveniente).
Depois da “escala técnica” em Lisboa, e já em Maputo, Marcelo voltou a olhar para a vida nacional. Reagiu à moção de Catarina Martins que alude a uma “tentativa de presidencialização do regime político”, visível, dizem, na permanente conquista de popularidade. A reação não se fez esperar. À já conhecida proclamação de que é “um homem de afetos” acrescentou que é “um pacificador, um pacificador que não tem tentações presidencialistas”.
O ambiente anda pacífico. O Presidente caiu em graça e é engraçado. As piadas e exibições ainda não cansam. Ninguém confronta ninguém com as indiretas ou recados de Marcelo Rebelo de Sousa, e ninguém lhe pede contas pelo que diz. A coisa vai correndo. Até ao dia em que volte a ser inconveniente falar de Portugal fora de Portugal.