Numa economia de mercado, os salários das diferentes profissões são determinados em função da procura e oferta das funções dos respetivos profissionais e do poder negocial que cada individuo, ou classe profissional, detém face às entidades contratadoras.
Nos empregos públicos (mesmo nas economias de mercado) essa dinâmica não é tão direta, mas a escassez ou abundância relativa de profissionais acaba por influenciar os salários pagos, para além do poder dos sindicatos, da disponibilidade financeira do Estado e das opções políticas dos governos.
É nesse enquadramento que, em Portugal (e em muitos outros países), se verificam elevadas discrepâncias remuneratórias entre diferentes profissões. Essas discrepâncias são, hoje, muito elevadas se compararmos os profissionais da informática e da especulação financeira, por um lado, com os profissionais das áreas do ensino e do cuidado, pelo outro.
Nas funções docentes, quer no setor público, quer no privado, os salários são baixos, a precariedade grassa e a carreira está desvalorizada. Salva-se o ensino superior, mas apenas nas universidades públicas (onde há poucas vagas) e nas posições mais elevadas na carreira. Com a particularidade de as pessoas, aí, não serem valorizadas pela função docente, mas pela produção de ciência a metro. Nas funções de cuidar do próximo, de educadores de infância, passando por assistentes sociais, a gerontólogos ou enfermeiros, volta a grassar a precariedade, os baixos salários e as carreiras pífias. Todos estes profissionais são qualificados, têm, no mínimo, uma licenciatura, sendo que muitos já têm mestrado ou doutoramento. Mas o que o mercado laboral diz a estas pessoas é: “deixem-se disso, não cuidem/ensinem o próximo, que o que vos espera é suor, desconsideração e insuficiência financeira”.
Ao mesmo tempo, saber operar as finanças tradicionais ou emergentes, ou ter um mínimo de competências de programação, são funções altamente procuradas, o que, aliada à relativa escassez de oferta, faz com que as empresas se vejam obrigadas a apostar na felicidade dos trabalhadores (por estratégia de retenção), oferecendo condições de trabalho muito favoráveis (flexibilidade, autonomia, trabalho remoto, carreira atrativa, menor carga laboral e alta remuneração). É o mercado a dizer: “venham computar e especular, que o que vos espera é riqueza, respeito e valorização, paraísos nomádicos e digitais”.
Este é um caso claro de falha de mercado, em que a informação que o mercado processa não é a mais relevante, nomeadamente porque só olha para os retornos de curto prazo, esquecendo as dinâmicas de sustentabilidade de longo prazo, com isso distorcendo a verdadeira importância relativa destas diferentes funções.
Se todos seguíssemos os incentivos do mercado, rapidamente deixariam de existir professores, enfermeiros ou cuidadores de crianças, de idosos ou de pessoas em situação de dependência. E a sociedade colapsava.
É fundamental que haja gente capaz de empurrar os limites tecnológicos e manejar a inovação permanente. Mas não podemos destratar as funções profissionais das inter-relações pessoais. É que não só são as bases de sustentação de qualquer sociedade, como são vitais para o florescimento e para a felicidade de todos nós.
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