Arrendamento obrigatório, por cinco anos, de casas que estejam vazias há mais de 12 meses: das medidas apresentadas pelo Governo para combater a crise na habitação, foi esta a que mais tinta fez correr. Nomeadamente tinta para cartazes a dizer “Vende-se”. Não creio que esta proposta venha resolver o problema da escassez de casas para arrendar, a preços razoáveis, mas provavelmente fará aumentar o número de apartamentos para venda: entre entregar a casa ao Estado ou à Remax, talvez se opte pela entidade que não tem fama de má pagadora. Esta ideia já devia estar na forja há algum tempo, o que explica porque é que Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa optaram por nunca se mudar em definitivo para o Palácio de Belém e o Palacete de São Bento: é que corriam o risco de, findos os mandatos, terem estranhos a viver nas suas casas. Percebe-se também porque é que a família Teixeira Duarte vendeu um duplex numa zona nobre da capital, muito abaixo do valor de mercado, a Fernando Medina: tinham muitos imóveis vazios para despachar até 2023. Percebo que, entre receber a pronto do então presidente da câmara ou esperar pelas medidas do futuro ministro das Finanças, fosse mais seguro vender. O Governo propõe subarrendar as casas devolutas e crê que isto vai aumentar a segurança dos senhorios. Em princípio, só resultará com senhorios que nunca tenham passado pela experiência de tentar receber dinheiro do Estado, mas não custa tentar. Se este plano der certo, deixaremos de ter casas vazias, em cidades onde a procura é imensa.
Continuaremos é a ter casas cheias de estudantes, a pagar 400 euros por quartos de dez metros, sem janela. Uma vez que o Estado identifica as casas devolutas através da ausência de contratos de electricidade, água ou telecomunicações, pode aproveitar para averiguar o que se passa em casas com consumos absurdos: trata-se de um proprietário muito lavadinho, que toma sete banhos diários, ou de um T2 onde vivem 13 pessoas?! Nos últimos dias, temos ouvido queixas por parte dos proprietários, dos empresários de alojamento local e até de detentores de vistos gold, mas, na verdade, o maior prejudicado parece ser José Sócrates. Quando reclamávamos medidas para evitar que casos como o do ex-primeiro-ministro se repetissem, não era bem isto que tínhamos em mente… Em vez de um pacote de medidas anti-corrupção, o Governo apresentou um pacote que impede amigos de terem casas disponíveis para emprestar a um ex-governante em apuros. Aliás, se lermos as letras pequeninas deste programa, vemos que o título completo é “mais habitação para os portugueses que não têm casa própria, menos habitações para aquele português que nunca está na sua própria casa”.
Fogos habitacionais para apagar. Crónica de Joana Marques

Em vez de um pacote de medidas anti-corrupção, o governo apresentou um pacote que impede amigos de terem casas disponíveis para emprestar a um ex-governante em apuros