Enquanto acompanhávamos a invasão do Capitólio versão brasileira Herbert Richers, em directo de Brasília, a SIC Notícias convidou o brasileiro Ricardo Amaral Pessoa, para nos explicar que aquelas pessoas que víamos a invadir e a escavacar o Congresso, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal não eram vândalos. Foi bom, para evitar conclusões precipitadas. Importa não confundir este Ricardo Amaral Pessoa, vogal da Associação Brasileira em Portugal, com o Ricardo Amaral Pessoa, presidente da Associação Brasileira em Portugal. Apesar de dizerem as mesmas coisas, um é presença habitual na SIC, outro na CNN. Ricardo-pai (o presidente) andava já há meses a alertar para a possibilidade de o resultado das eleições ser fraudulento. Traduzindo para português de Portugal: “A possibilidade de o resultado ser desfavorável a Bolsonaro.” Já Ricardo-filho (o vogal), diz que o povo tem todo o direito de invadir a casa do povo, já que é, como o nome indica, dele. Esta interpretação literal pode quase comover-nos, pelo seu lado naïf, mas passa uma péssima imagem do povo brasileiro: é assim que se comportam na sua própria casa? Que imundice! Uma coisa é certa: não se via uma família brasileira a dizer coisas tão engraçadas na televisão portuguesa desde que acabou o Sai de Baixo. Considerei bom entretenimento e não entendo quem contesta o tempo de antena dado a estes comentadores. Se estivéssemos a assistir a uma invasão marciana e houvesse oportunidade de ter um deles em directo, íamos desperdiçar? O que Ricardo Amaral Pessoa fez, falando-nos dos “brasileiros de bem”, que não aceitam ter um bandido como Presidente, comportando-se por isso como bandidos, foi serviço público. Não só nos ajuda a perceber o que está a passar-se no país irmão, como nos deixa especialmente alerta com aqueles nossos irmãos que usam a expressão “portugueses de bem”. Muda o sotaque, mas a ideia é a mesma. Quando um “brasileiro de bem” é preso por ter invadido uma instituição, partido vidros, danificado móveis e vandalizado obras de arte, pode continuar a usar o apelido “de bem”? Só será “brasileiro do mal” se algum dia votar noutro partido? São questões que ficam sem resposta, para já… O comentador Ricardo Amaral Pessoa (de bem) considerou as palavras do Presidente Lula da Silva, na sequência da invasão, uma afronta ao povo brasileiro, que não o escolheu. Trata-se de um problema de pontuação: há ali uma vírgula a mais. Devia ser: “as palavras de Lula foram uma afronta ao povo brasileiro que não o escolheu”. Para o povo que o escolheu (que calha ser a maioria) não terão sido assim tão aviltantes. Por acaso, é um defeito que sempre apontei à democracia: nem sempre a minha escolha corresponde à da maioria. Nesse aspecto a ditadura tem uma imensa vantagem, desde que sejamos nós os ditadores. As imagens da destruição na Praça dos Três Poderes são impressionantes, mas não surpreendentes. Estes fãs de Bolsonaro são os mesmos que negaram, durante anos, a existência de uma pandemia, não é de estranhar que neguem agora o resultado de um sufrágio. Se nem sequer há zaragatoa para provar que Lula foi mesmo o mais votado…
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