Foi desmantelada uma das maiores fraudes fiscais a nível europeu, e um dos alegados cabecilhas é português. Campeões, campeões, nós somos campeões! Ok, para sermos mais exactos, Max Cardoso é luso-francês, mas isso não importa. Se quando o Raphaël Guerreiro marca golo pela selecção, festejamos, quando o Max está entre os melhores da Europa a fintar o fisco, devemos ficar orgulhosos também. A mulher deste herói, Ana Lúcia Matos, ex-apresentadora de TV e actual esposa de pessoa muito rica, foi também detida, e jurou desconhecer a origem do dinheiro, mas terá dito que o marido fazia tudo para fugir ao fisco. Como quem diz que faz tudo para evitar o trânsito. É a naturalidade com que encaramos a fuga aos impostos que nos permite estar na vanguarda da Europa. Se a fuga ao fisco fosse modalidade olímpica, Portugal tinha muito mais medalhas no seu palmarés, porque todos somos incentivados a praticar a modalidade desde a mais tenra idade. É uma tradição que passa de pais para filhos. Não só é visto com bons olhos quem tem a agilidade de se esquivar ao fisco, como é visto com desdém o palerma que paga tudo o que lhe é cobrado pelo Estado. Vemos o fisco como a chuva: só os tolos é que se molham. Ana Lúcia Matos alegou desconhecimento em matérias de fiscalidade, ignorância da qual partilho, mas que de nada me serviu quando preenchi mal o anexo B do IRS. Paguei a coima na mesma. Percebo que, num momento de aflição como este, uma mulher enfrente este terrível dilema: “Mostro que não sou parva nenhuma, e que o meu marido não me engana, ou alego uma ingenuidade tal que me fez não estranhar viagens de jacto privado ou a aquisição de mansões a pronto pagamento?” Percebo que se aposte na segunda opção, sobretudo se ela permitir continuar a dormir na tal mansão, e não nos calabouços da PJ. Acredito até que Ana Lúcia tenha recorrido ao seu passado como apresentadora de programas da madrugada para se defender: “Vê, sotor juiz? Eu apresentava estes programas para analfabetos, em que ficávamos duas horas a tentar adivinhar que letra faltava na palavra ‘A_IVINHAR.’” Ironicamente o programa chamava-se Sempre a Somar, e agora Ana Lúcia Matos parece não conseguir somar dois mais dois, nem estranhar que o marido, que diz ser desempregado desde que deixou o trabalho numa loja de roupa, recebesse avultadas quantias de dinheiro. Diz-se que quando a esmola é grande o pobre desconfia, mas sendo Ana Lúcia riquíssima, é natural que não tenha desconfiado. É possível que a antiga apresentadora da TVI não soubesse que o marido tinha duas identidades, dois números de contribuinte, centenas de empresas fictícias e dezenas de testas-de-ferro, mas sabia que ele já tinha sido condenado em França por crimes idênticos. É um clássico das mulheres, isto de acreditar que vão conseguir mudar os maridos: eles vão passar a vestir-se melhor, vão deixar de comer porcarias e vão abandonar as carreiras no crime.
Comer gelados com os testas-de-ferro: Crónica de Joana Marques
Vemos o fisco como a chuva: só os tolos é que se molham. Ana Lúcia Matos alegou desconhecimento em matérias de fiscalidade, ignorância da qual partilho, mas que de nada me serviu quando preenchi mal o anexo B do IRS
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