Ao longo da minha infância e juventude os meus pais sempre falaram da possibilidade de mudarmos de casa. De tempos a tempos esta ideia voltava a estar em cima da mesa, e um cartaz a dizer “vende-se” voltava a estar pendurado na janela. Arrumava-se a casa, para receber uns desconhecidos que queriam saber detalhes sobre o chão de tacos e o isolamento das janelas, mas todos sentíamos que era uma espécie de encenação, e que o negócio nunca ia dar-se. Entre a necessidade de sair daquelas quatro assoalhadas onde não cabia mais tralha, e a vontade de encaixotar toda essa tralha, ia uma grande distância. E por isso, mais tarde ou mais cedo, a placa saía da janela, e nós, mais uma vez, não saíamos daquela casa. Mas isto nunca era encarado como uma desistência. Era apenas um adiamento, para data incerta. Enquanto isso, os meus pais continuavam a ver anúncios de casa que nunca iriam comprar. Ota, Porto Alto, Montijo, Alcochete, Santarém… o governo anda a seguir o método lá de casa: faz prospecção de terrenos mas nunca avança para um contrato-promessa de compra e venda. O pior é que os aviões são mais difíceis de encaixar num espaço atafulhado do que toda a colecção de vinis do meu pai… mas nem isso os faz apressar. Desde a personagem de Vasco Santana na Canção de Lisboa que não se via ninguém engonhar nos estudos durante tanto tempo… Sendo que neste caso somos nós as tias, que andam a sustentar os estudos, na esperança de que o Vasquinho se torne doutor. Sendo que estes estudos do aeroporto saem ainda mais caros que o curso de Medicina: 90 milhões foram já gastos, só a tentar definir onde hão-de aterrar os aviões. Os decisores parecem, eles próprios, aeronaves em fila de espera para aterrar no Aeroporto Humberto Delgado. Vão gastando gasolina em vão, enquanto andam em círculos. Parece ser mais difícil responder à pergunta “onde construir um aeroporto?” do que à clássica questão “qual é o principal músculo latero-flexor do pescoço?. Esternocleidomastóideo, respondemos todos a uma só voz. “Alcochete! Montijo! Santarém! No raio que o parta, mas que seja depressa!”, é a algaraviada que se ouve quando alguém pergunta pelo novo aeroporto. Quando/se finalmente chegarem a uma conclusão, nem sei se fará sentido chamar-lhe assim. Talvez seja melhor referirmo-nos a ele como o “velho aeroporto, do qual se fala há setenta anos”. Agora é rezar para que nessa altura ainda haja interessados em viajar de avião, e não esteja já tudo rendido ao teletransporte. Santarém pode parecer uma solução absurda, pela distância a que está da capital, mas pode vir a ser útil, quanto mais não seja para que os voos com destino ao aeroporto de Beja lá possam fazer escala.
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