Mais um rude golpe para a Igreja: Marta Temido perdeu a fé. Como se não bastasse o escândalo dos abusos, agora isto. “Não podemos perder a fé de que vamos melhorar as coisas”, disse a então ministra da Saúde, no final de Julho. Um mês depois, apresentou a demissão. Sai sem honra nem glória depois de um verão particularmente difícil. Não só para as grávidas que tiveram de fazer viagens de três horas em busca de um hospital onde pudessem ter uma hora pequenina, mas sobretudo para a ministra, que teve de passar as suas férias ao telefone, a tentar persuadir médicos a cancelar as deles. Parece-me uma tarefa mais hercúlea do que reestruturar o SNS. É natural que, ao fim de um mês, Marta esteja exausta. Faltou-lhe resiliência para aguentar até ao fim da época alta. Foi pena. Agora vemos por aí médicos a divertirem-se impunemente em aparthotéis, sem que ninguém os impeça. Marta foi uma espécie de agente de viagens, mas ao contrário.
Em vez de apresentar um pacote de sete dias na Riviera Maya, em regime de meia pensão, convidava os clínicos a passar sete dias com tudo incluído no Hospital São Francisco Xavier. No fundo, se a ideia é passar o verão rodeado de gente de pulseirinha, não vale a pena procurar destinos tropicais. Qualquer Hospital de Santa Maria, depois da triagem, serve. Esta ministra foi inovadora: enquanto os seus antecessores se limitaram a não dar aos médicos condições para trabalhar, Marta não lhes dava também condições para ir de férias. Já os profissionais de saúde, provando que não são rancorosos, têm-se mostrado bastante felizes com estas férias prolongadas de Marta Temido. Na hora da despedida, devo confessar que admiro esta mulher pela coragem que demonstrou. Não tanto por ter enfrentado uma pandemia (isso até lhe facilitou a tarefa, já que foi o único período da História em que os portugueses não se deslocaram às urgências por terem uma unha encravada ou pingo no nariz), mas por ter enfrentado os profissionais de saúde. Marta ousou destratar quem nos trata. Se há classe que não arrisco atacar é a dos médicos. Nunca se sabe quando vou precisar de um. Tenho muito respeito por médicos e por meliantes (e pelos que acumulam funções, como um dermatologista que noutro dia me levou 90 euros só para ver uns sinais), porque é gente que facilmente consegue matar-nos. Agora o mínimo que podemos fazer, em jeito de homenagem à ex-ministra, é juntarmo-nos à janela para aplaudir. Até porque, como ficou provado durante o confinamento, é como o Melhoral: não faz bem nem faz mal. A não ser que esteja frio. Nesse caso, evite ir à varanda, não vá adoecer e engrossar as filas do centro de saúde.