Numa destas tardes abrasadoras, enquanto procurava uma sombra para me abrigar, cruzei-me com gente que não acredita nisso do calor. Dizem que está a temperatura normal para esta época do ano. Se calhar esqueceram-se de contar que passaram o último verão na Líbia. Os mesmos que chamavam “palermia” à pandemia e diziam que nunca mais poderíamos andar sem máscara ou viajar sem certificado, acenam agora com a bandeira vermelha de “Perigo, Ditadura!” porque parques em zonas florestais foram encerrados, durante três ou quatro dias de temperaturas extremas. Dizem que foi aberto um precedente. E têm razão. Toda a gente sabe que é assim que os regimes autoritários começam. Na Coreia do Norte começaram por proibir as pessoas de fumar e foguear, e quando deram por eles, tinham todos o mesmo penteado que o Querido Líder. Consigo simpatizar com a ideia do Estado não ser nosso pai, e de já sermos crescidinhos para tomarmos as nossas próprias decisões. Mas não creio que seja paternalismo alterar a localização do festival Super Bock Super Rock, evitando uma grande concentração de gente no Meco. Pelo menos se tivessem tido um pai como o meu, saberiam que a solução seria não haver festival para ninguém (e estar tudo na cama antes das onze). Não creio que adiar eventos ou encerrar parques infantis, enquanto o País arrisca passar de jardim à beira-mar plantado a vasinho de cinzas bem localizado, seja uma ingerência inaceitável na liberdade individual dos cidadãos. Se o for, encerrar a ponte sobre o Tejo quando há rajadas de vento muito fortes também o é. Não creio que o Estado esteja a substituir-se aos nossos pais quando veda o acesso a arribas em erosão, está só a ser um primo afastado que até nem vai muito com a nossa cara mas que não deseja que faleçamos num aparatoso acidente. Acho que é o mínimo que podemos esperar de quem nos governa, embora eu esperasse bem mais.
Aliás, se me fosse dado a escolher, preferia que vivêssemos num Estado-mãe. É que as mães quando dizem que vão resolver, resolvem mesmo. É para limpar a mata? Ai, limpa-se de cima abaixo, meu menino. Começa-se em Melgaço e só se acaba quando o último hectare da serra de Monchique for passado a pente fino. É para reflorestar? Vamos a isso. Não basta plantar uns sobreiros simbólicos, para disfarçar, como fazem os filhos adolescentes quando enfiam a tralha toda debaixo da cama, a fingir que arrumaram o quarto. Não se trata de sexismo, mas de evidência: as mães têm experiência acumulada, de séculos a reordenar o território, não são como António Costa, aquele padrasto desleixado, que vê o enteado chumbar ano após ano, mas não tem paciência para lhe dar explicações. Afirma que o problema é estrutural, que é como quem diz: o miúdo é burro, não há nada a fazer.