Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que Portugal é um beneficiário líquido da guerra na Ucrânia. A afirmação parece não ter caído bem, mas a mim parece-me refrescante. Tanto criticamos os políticos por não dizerem a verdade que é de louvar quando surge alguém que diz exactamente aquilo que pensa. O Presidente da República sublinhou que Portugal está longe da guerra, em termos de turismo e de investimento. Muitos decisores são acusados de fechar os olhos ao horror que se vive na Ucrânia, Marcelo apenas pode ser acusado de piscar o olho a quem estava a planear passar férias perto da Ucrânia. Talvez esteja aqui a germinar uma ideia para a próxima campanha do Turismo de Portugal. “Visit Portugal: aqui, bombas, só na piscina.” Podemos tornar-nos o destino de eleição para medricas. Como se não bastasse estarmos fora do mapa do terrorismo, somos também irrelevantes no posicionamento geopolítico, e Deus nunca se lembra de nós quando distribui as grandes catástrofes naturais. É óbvio que Marcelo Rebelo de Sousa não desejou que acontecesse uma guerra, está só a tentar ver o copo meio cheio. Não é isso que nos é pedido constantemente? Procurar um lado bom no “trabalho” de Putin é como tentar elogiar um restaurante onde a comida é péssima e o serviço antipático: resta a localização. Péssima ideia, isto da guerra, mas sítio bem escolhido, na óptica do Presidente português. Se dizemos que o simples bater de asas de uma borboleta no Japão pode ocasionar um tufão do outro lado do mundo, qual é o problema de admitir que o deflagrar de engenhos explosivos em Mariupol pode resultar numa enchente num Airbnb em Odeceixe? Se a vida te dá limões, faz limonada. Se a vida te dá um conflito armado que pode desencadear a terceira g uerra mundial, faz uma limonada na mesma e vai dar um mergulho à praia, que tão cedo a guerra não chega cá. Acho até que esta atitude de Marcelo pode servir-nos de exemplo, para que admitamos sem pejo que, por vezes, somos beneficiários líquidos e gostamos. Entrevista ao guarda-redes suplente: “Fiquei muito contente com a lesão do meu colega, que fracturou o perónio em três sítios, porque tive finalmente oportunidade de jogar.”
Reunião no escritório: “Como sabem o chefe despediu injustamente o Antunes, estou solidário com o nosso ex-colega. A boa notícia é que fui promovido e vou ficar com o lugar dele. Hoje vamos jantar e pago eu!” Conversa entre irmãos no funeral do pai: “Foi um grande homem, realmente, vai fazer muita falta, mas agora herdámos dois terrenos e uma casa com piscina no Algarve. Pena não ter morrido mais cedo, que tinha dado imenso jeito nas últimas férias.” Já todos pensámos coisas destas, o que nos distingue de Marcelo é que não as verbalizamos, porque soam mal. Seria como dizer que o próximo Presidente será beneficiário líquido de Marcelo, na medida em que, depois destes dois mandatos de espalhafato, será fácil parecer um grande estadista.