Um preso em fuga teve um assomo de consciência (ou considerou que o preço das pensões estava a tornar-se incomportável) e resolveu entregar-se na cadeia de Coimbra. Como se isto agora funcionasse assim, bastava cometermos um crime grave, punível com pena de prisão de 12 anos, para termos direito a pernoitar num estabelecimento prisional, com comida, cama e roupa lavada. Calma, meu menino, põe-te na fila, que há muita gente a querer entrar nas casas mais vigiadas do País. A Direcção dos Serviços Prisionais recusou, e bem, acolher o foragido, alegando que este não apresentou a documentação necessária. “Quer regressar à prisão para acabar de cumprir a pena? Preencha este formulário e os seus 27 anexos, com cópia do cartão de cidadão, da carta de condução, do boletim de vacinas e do registo criminal, e depois então aguarde, que há-de ser contactado pelos nossos serviços, no espaço de 12 a 64 meses.” Já tinha visto gente ser detida por falta de documentos; uma pessoa a não poder ser presa por falta de documentos é a primeira vez.
Luís Silva, o homem que quis entregar-se às autoridades, mas levou tampa (que a Justiça pode ser cega, mas não é parva, e tem sentimentos), está a viver uma espécie de pós-divórcio. Aproveitou uma saída em precária para ir para a borga, dormir com outras mulheres, viver novas experiências e, agora que se fartou dessa vida louca, quer voltar para os braços da ex. Mas nada feito, entretanto já vieram outros reclusos (alguns até mais bonitos) ocupar-lhe o lugar. Agora, se quer ter direito a estar privado da sua liberdade, tem de fazer por merecer. Há presidiários que sonham com a liberdade condicional, Luís Silva tem saudades da liberdade condicionada. Para o conseguir, vai ter de enfrentar a pesada máquina burocrática do Estado português. Boa sorte! Em princípio, quando lhe concederem finalmente o direito de reocupar o cárcere, o crime já prescreveu. E aí só lhe restará cometer novo delito para poder voltar a ver o sol aos quadradinhos.