No passado domingo, num jogo de futsal que opôs Pregança e Salesiana Estoril, um jogador da equipa visitante, insatisfeito com o cartão vermelho, agrediu o árbitro. Estranhamente as notícias que dão conta do ocorrido não questionam os limites da arbitragem. Será que o árbitro esteve bem? É irrelevante, a partir do momento em que foi esmurrado. Já no caso de Will Smith que, no mesmo dia, respondeu a uma piada de Chris Rock com uma chapada, a discussão centra-se no que foi dito pelo humorista. Perde-se tempo a questionar se Chris Rock se excedeu, quando claramente quem foi longe demais foi Will Smith. Ele foi dez passos longe demais, caminhando até ao palco quando devia ter ficado na sua cadeira, onde esteve, de resto, refastelado, até ao final da gala. Ao mesmo tempo, bem longe dali, o futebolista da equipa salesiana foi detido à saída do pavilhão. Estranhos tempos, estes, em que as regras de conduta são mais rigorosas num polidesportivo na Lourinhã do que no Dolby Theatre. Em edições anteriores dos Oscars, ficava espantada com os vencedores na categoria de Melhor Filme; em 2022, fiquei perplexa com a eleição de Will Smith como herói da noite. Um tipo que não leva desaforos para casa, só estatuetas. “Não pode valer tudo no humor”, dizem os defensores do actor. Esquecem-se de que a única alternativa a não valer tudo é não valer nada.
Porque se cada um vai traçar a sua linha, no que diz respeito a assuntos com os quais não se brinca, rapidamente vamos ficar enredados numa daquelas teias de feixes infravermelhos que os alarmes da Securitas anunciam, com os movimentos tolhidos. É que todos os dias vão sendo acrescentados novos proibidos a uma já longa lista. A alopecia, por exemplo, foi uma surpresa. Não esperava encontrá-la no lote de assuntos polémicos. Claro que os problemas são sempre mais sérios para quem os sente na pele, mas talvez a nossa pele esteja a ficar demasiado fininha. Não podemos equiparar palavras (mesmo que magoem) a bofetadas. Se acharmos que isso é legítimo, temos de estar preparados para levar um soco no queixo na próxima reunião de condomínio, se o vizinho do 3º C não gostar do que dissemos sobre o seu estendal. Sei que isto vem acabar com um debate eterno, mas os limites do humor estão bastante bem definidos, há muito tempo: Chris Rock não pode descer até à plateia e esbofetear um espectador. Quem defende a atitude do protagonista de King Richard tem de validar também a acção dos jihadistas que dizimaram a redacção da Charlie Hebdo. O grau de violência é diferente, mas o princípio é o mesmo: “Não admito que façam piadas sobre alguém de quem gosto muito, seja a minha mulher ou o meu Maomé.” Há agora quem exija que o Oscar seja retirado a Will Smith, o que é absurdo, já que este premeia o seu desempenho num filme, não a cena patética com que nos brindou. Retirar-lhe o galardão é como achar que quem faz piadas que não apreciamos deve ser castigado, seja com um banano ou com um despedimento.
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