A divulgação, por parte da Polícia Judiciária, de um ataque terrorista que não chegou a sê-lo mereceu duras críticas de entendidos na matéria, mas merece o meu aplauso de leiga. O trabalho da PJ é como o dos árbitros: quando tudo corre bem, ninguém dá por eles, quando corre mal há chuva de críticas (se não for de isqueiros). Vemos o trabalho dos árbitros como os meus pais viam as minhas boas notas em testes: “Não fazes mais do que a tua obrigação.” E com a polícia é igual. Um polícia que prende um ladrão não é notícia, mas o agente que deixa escapar o meliante torna-se anedota. A PJ passa grande parte do tempo a fazer trabalho de bastidores (mais uma semelhança com certos árbitros) e tem pouco espaço para brilhar. Acho natural que, tendo impedido um atentado, sintam uma vontade irreprimível de contar a toda a gente. É como pescar um peixe de dimensões épicas e não poder gabar-se disso aos amigos. Tanto na pescaria de domingo como na investigação criminal deve ser uma alegria quando o peixe morde o isco. Mesmo sabendo nós que este terrorista não era um grande tubarão.
Ainda assim foi uma acção de cooperação internacional, com FBI metido ao barulho. É o mais próximo que podemos estar de um episódio de CSI Miami. Percebo que seja uma história para contar aos netos, e não para ir connosco para a tumba. É claro que, quando contarem às gerações vindouras convém ocultar alguns pormenores: talvez o facto de o perigoso terrorista dormir com um Pikachu seja irrelevante, e retire algum heroísmo à narrativa. É como imaginar os soldados americanos a relatar a operação Neptuno Spear: “Fuzilámos Bin Laden e sepultámo-lo no mar, juntamente com o seu ursinho dos Forever Friends.” Acho especialmente impressionante o trabalho da PJ neste caso, porque era fácil desvalorizar os indícios: se há coisa que acontece sempre na véspera de exames são ameaças de bomba. É certo que o anúncio do alegado atentado deu direito a um chorrilho de pormenores folclóricos que pouco acrescentam, como o facto de o plano do massacre incluir almoço no McDonald’s, faltando agora apurar se seria Big Mac ou cheeseburger.
Onde anda o jornalismo de investigação quando precisamos dele?! Mas, mais uma vez, compreendo o entusiasmo dos repórteres, já que o mais perto que estivemos de um ataque terrorista, nos últimos anos, foi quando António Costa foi almoçar ao Mezze, e Yasser, mais tarde detido, lhe serviu um saboroso falafel. A divulgação pode não ter sido mera gabarolice, para isso a PJ já tem as apreensões de droga, que dão bonito espectáculo, mas combate ao preconceito, mostrando que nem todos os terroristas vêm de Mossul, e que não é por causa deste episódio que vamos deixar de acolher refugiados da Batalha em Lisboa.
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