A Defensoria Pública da Bahia, no Brasil, resolveu lançar um útil guia chamado “Expressões Racistas do Quotidiano”, sugerindo que sejam abolidas da linguagem de todos os dias várias palavras que, embora ninguém o saiba nem as use com essa intenção, têm uma conotação racista devido à sua origem. É o caso, por exemplo, da expressão que os brasileiros usam para designar a mesa-de-cabeceira: criado-mudo. Segundo informa o texto da Defensoria, o termo surgiu porque “os criados, geralmente pessoas escravizadas, deveriam segurar objectos para os seus senhores e eram proibidos de falar”. Usar este termo em 2021 ofende, já não os escravos de outrora, que estavam mais preocupados com grilhetas do que com palavras, mas pessoas frágeis nossas contemporâneas. A expressão “a dar com pau” também é nociva, de acordo com o mesmo documento. Deve ser abolida porque faz referência ao pau com que, nos tempos da escravatura, se alimentava os escravos que faziam greve de fome, pelo que é, evidentemente, uma formulação racista a dar com pau. Também a expressão “meia tigela”, que costuma designar mediocridade, tem origem na escravidão. De acordo com o dicionário de Expressões Racistas do Quotidiano, sempre que um escravo não trabalhava como pretendido, recebia apenas meia tigela de comida, pelo que só um racista de meia tigela usaria essa expressão ainda hoje.
Conhecida a lista de expressões abomináveis, foi cometido um erro terrível: alguém se lembrou de ir perguntar a historiadores e linguistas se a origem das palavras era mesmo aquela. Provavelmente por racismo, eles disseram que não. Nenhuma daquelas expressões tem, segundo quem estuda etimologia, aquela origem. Há pessoas tão interessadas em fiscalizar a linguagem que inventam motivos para patrulhar. Creio, no entanto, que o facto de estas expressões terem origem em racismo imaginário não é o suficiente para as inocentar. Alguém se deu ao trabalho de forjar uma origem racista para estas palavras, e outras pessoas terão lido a fábula etimológica, convencidas de que era verdadeira. Para elas, aquelas palavras são agora ofensivas. Para mim, é o suficiente. Se não são racistas, aquelas palavras disfarçam bem. O melhor era enforcar os dicionários todos, à cautela.