É possível que, quando este número da VISÃO chegar às bancas, os Jogos Olímpicos tenham sido cancelados. Ou que vários dos melhores atletas do mundo tenham sido impedidos de participar por terem contraído Covid-19. Os atletas que sobrarem, competirão perante pouco ou nenhum público. É uma injustiça da qual ninguém tem culpa – nem mesmo, por uma vez, Eduardo Cabrita. Mas é revoltante que jovens atletas tenham trabalhado tanto e agora não possam exibir as suas extraordinárias capacidades. Cada vez é mais difícil ser atleta de alta competição. Já tinham de fazer um teste antidoping após o desempenho, e esperar que o resultado não anulasse a prova, e agora têm de fazer um teste para Covid-19 antes da competição, e esperar que o resultado não os impeça de participar na prova. Espero sinceramente que não chegue o dia em que tenham de fazer um teste durante a prova, por muito que possa ser espectacular ver os velocistas a enfiarem uma zaragatoa no nariz ou a urinarem para um frasquinho a meio dos 110 metros barreiras. Não há dúvida de que o atleta que conseguir recolher uma amostra decente enquanto salta um obstáculo, ou for capaz de chegar à meta com o frasco meio cheio, merece uma medalha, mas a prova deixa de ser atletismo para passar a ser circo.
O meu ateísmo estende-se, evidentemente, aos deuses gregos, e creio que este caso demonstra que tenho boas razões para ser céptico. Pelo segundo ano consecutivo, Esculápio, deus da medicina e da cura, nada fez para proteger os Jogos Olímpicos, e sua filha Hígia, de cujo nome deriva a palavra higiene, está igualmente distraída. Ambos tinham aqui uma excelente oportunidade para exibir os seus poderes, e garantir a realização de um certame em que se homenageia, precisamente, o panteão em que eles têm domicílio. Já que outros deuses mais modernos, ocupados a reger o Universo inteiro, não se preocupam com estas empreitadas pequenas, ao menos estes podiam dedicar a sua atenção a um assunto que é claramente do seu interesse. Já agora, aproveito para agradecer ao Deus que tornou possível a realização do europeu de futebol sem incidentes. Os místicos talvez suspeitem de que tenha sido Johan Cruyff. Eu creio que foi uma entidade verdadeiramente todo-poderosa, como a UEFA.