No momento em que escrevo, o Presidente da República tem e não tem Covid-19. Um teste deu positivo, outro deu negativo. Quando Aristóteles formulou o princípio da não-contradição, estava certamente longe de imaginar que, uns milénios depois, Marcelo Rebelo de Sousa o desmentisse, demonstrando, com o auxílio de uma zaragatoa, que é possível uma dada entidade ser, ao mesmo tempo, P e não-P. Além de ser o Presidente de todos os portugueses, Marcelo é também o Presidente de todos os resultados. Provando mais uma vez ser o garante da estabilidade e do equilíbrio, tanto testa positivo como negativo. Por outro lado, permite que os adversários o acusem de não ter uma posição firme sobre coisa nenhuma. Nem quanto ao facto de estar infectado consegue decidir-se.
Quando acabava de escrever o parágrafo anterior, o Presidente fez novo teste que deu negativo. Vê-se que está a ponderar, escutando os vários argumentos, e a tentar decidir qual será o resultado mais sensato. O melhor é efectuar um torneio de testes, à melhor de sete, para tirar o caso a limpo.
Durante as poucas horas em que se pensou que o Presidente estava infectado, os seus adversários desejaram-lhe as melhoras. É interessante notar, contudo, que cada um lhe desejou as melhoras à sua maneira. Ana Gomes desejou-lhe a falta de sintomas e um rápido e franco restabelecimento. Marisa Matias desejou as melhoras e fez votos de rápida recuperação. Tiago Mayan Gonçalves formulou o desejo de que o Presidente não desenvolvesse quaisquer sintomas, e apelou a uma rápida e forte recuperação. André Ventura desejou também as melhoras e acrescentou que esperava que a saúde do Presidente se mantivesse intacta e extraordinária, como tem sido até aqui. Vitorino Silva e João Ferreira desejaram apenas rápidas melhoras. Além disso, António Costa também deixou votos sinceros de rápida e completa recuperação. O único desejo que se apresenta como sincero é o do primeiro-ministro, o que acaba por ser contraproducente. Quando temos necessidade de dizer que estamos a ser sinceros, parece que poderia haver suspeitas de que a nossa sinceridade fosse, de algum modo, falsa. No que diz respeito às melhoras, quase todos desejam que sejam rápidas, mas quanto à recuperação há divergências ideológicas importantes, que se reflectem no adjectivo escolhido. Ana Gomes quer que o restabelecimento seja franco, Mayan pretende que seja forte e António Costa deseja que seja completo. Por aqui se vê que todos os quadrantes políticos têm um contributo a dar, compondo um desejo colectivo muito mais rico. E Ventura acaba por mostrar, mais uma vez, que está à margem do sistema, por ser o único que, desejando as melhoras futuras, elogia a saúde passada do Presidente, que considera extraordinária, como quem diz, resumindo todo um pensamento político, “antigamente é que se estava bem”.
(Crónica publicada na VISÃO 1454 de 14 de janeiro)