Esta semana, mais uma vez, no dia marcado por certos astrólogos para a chegada do fim do mundo, o mundo não acabou. Normalmente, quando uma previsão do fim do mundo não se confirma, sentimos algum alívio; no entanto, creio que, depois de um ano como este, o fim do mundo seria uma lufada de ar fresco que todos acolheríamos com alguma alegria. Infelizmente, voltou a não se verificar. 2020 tem sido desilusões atrás de desilusões.
Desta vez, o fim do mundo eclodiria por causa de um alinhamento entre Júpiter e Saturno, e ainda devido a uma ocorrência qualquer relacionada com o calendário maia – que, além das efemérides habituais, também assinala, ao que parece, os fins do mundo. No entanto, o apocalipse não ocorreu. O que significa que, este ano, os astrólogos não previram acontecimentos muito importantes que se verificaram mesmo (como a pandemia) e previram acontecimentos muito importantes que não se verificaram de todo (como o fim do mundo). Tanto falharam ao não prever como falharam prevendo. Não deixando de constatar a admirável constância no falhanço, começo a inclinar-me para achar que isto das profecias talvez não seja completamente fiável.
Ou talvez o problema seja outro. É curioso notar, a este propósito, que a culpa do fracasso das previsões costuma ser de uma ciência exacta. Quando são confrontados com o facto de os seus vaticínios não se terem concretizado, os astrólogos dizem sempre que o problema foi terem feito mal as contas. A previsão estava certíssima, a data é que estava errada. A astrologia não mente, a matemática é que falha. Parece-me evidente de que isto da Ciência é uma charlatanice.
Sem querer pôr em causa que os videntes continuem a prever fins do mundo que não se realizam, gostaria de dar uma sugestão que introduziria, a meu ver, uma mudança importante no mundo da astrologia. Para se destacar da quantidade de astrólogos que antecipa o fim do mundo, um bruxo verdadeiramente pós-moderno devia declarar que o mundo já acabou. Em vez de uma previsão, fazia uma retrovisão. Inovava e deixaria em dificuldades quem quisesse desmenti-lo. Parece-me difícil negar que isto que estamos a viver é aquela fase a seguir ao fim, em que já foi tudo para casa e só nos resta pôr as cadeiras de pernas para o ar em cima da mesa, despejar o lixo e fechar tudo.
(Crónica publicada na edição 1451 de 24 de dezembro)