Quando se soube que André Ventura tinha imposto a lei da rolha no seu partido, nasceu um dos mais interessantes problemas filosóficos da política portuguesa. Na sequência do congresso do Chega, em que o partido mais criticado foi o Chega, Ventura resolveu assinar uma directiva a proibir as ofensas entre militantes do partido. À ideia de que é possível e legítimo proibir a ofensa, costuma chamar-se “politicamente correcto”, e é interessante – embora não surpreendente – que André Ventura a subscreva. As pessoas não são obrigadas a respeitar-se umas às outras – e ainda bem, porque muitas não merecem respeito –, mas há quem ache que sim, como é o caso de, entre outras almas autoritárias, André Ventura. O dilema filosófico é outro. A directiva surge após o militante Filipe Melo, candidato à distrital de Braga, ter escrito, sobre Cibelli Pinheiro de Almeida, a presidente da mesa da assembleia distrital, que “não vai ser uma brasileira que vai mandar nos destinos de um partido nacionalista”. Minutos depois, Filipe Melo arrependeu-se e corrigiu, alterando a publicação para um muito mais suave “não vai ser uma senhora que vai mandar nos destinos de um partido nacionalista”. Melo começou por desabafar “estas brasileiras, pá!”, e passou a desabafar “estas gajas, pá!”, mas nem assim conseguiu agradar a Ventura – que, como se sabe, sempre tem pugnado pela máxima elevação no discurso político. Foi então que Ventura decidiu que era preciso punir os militantes do Chega. E é aqui que as dificuldades começam. Ventura tem dito muitas vezes que ninguém há-de calar o Chega. No entanto, foi o primeiro a impor uma directiva que visa calar o Chega. O argumento de Ventura, porém, é poderoso: as críticas internas de militantes do Chega prejudicam o Chega. Significa isto que, para que não se cale o Chega, é preciso calar o Chega. Quando o Chega fala, prejudica o Chega – logo, é melhor calar o Chega para dar mais voz ao Chega. Se o Chega não se cala, vai acabar por se calar. Mas, se se calar, aí ninguém o cala. É simples.
(Crónica publicada na VISÃO 1449 de 10 de dezembro)