Foi uma semana de grandes desafios éticos e morais. Muita gente que costuma apelar, em nome da decência, a limites mais rígidos para o que pode e não pode ser dito reivindicou que esses limites devem ser, afinal, um pouco mais elásticos. E muita gente que costuma bater-se por uma liberdade mais ampla constatou que, afinal, há limites da decência que não devem ser ultrapassados. Ambos os grupos demonstraram, mais uma vez, que são a favor da liberdade de expressão, desde que seja para aquilo que gostam de ouvir. Examinemos a estupidíssima questão, com um cuidado que ela, claramente, não merece: depois de se ter ficado a saber que Donald Trump tinha Covid, algumas pessoas foram para as redes sociais exprimir apoio ao vírus. Outras pessoas ficaram muito ofendidas com o mau gosto da ideia. E o Facebook, o Twitter e o TikTok explicaram aos seus utilizadores que desejar que alguém morra não é permitido. Será ético desejar que alguém morra? E será moral proibir que alguém diga coisas imorais? São excelentes questões, e é por isso que não tenho capacidade para me ocupar delas. Sempre preferi as questões mais pequeninas, tais como: é proveitoso desejar que Trump morra? Desconfio que não. Não sou especialista, mas dizem-me que o vírus não se importa muito com as claques favoráveis ou desfavoráveis. Manifestar no Twitter o desejo de que Trump morra é vudu cibernético. Tenho a forte suspeita de que é inútil exprimir esse desejo – e, também por isso, igualmente inútil proibir que ele seja expresso. Sucede, no entanto, que quem deseja a morte de alguém não obtém nada, uma vez que as coisas acontecem independentemente dos nossos desejos, a menos que a nossa vida decorra dentro de um filme da Disney. Mas quem proíbe os outros de exprimirem um desejo obtém o silenciamento que quer impor. Que uma pessoa pretenda obter por via virológica o que não conseguiu por via eleitoral pode dizer alguma coisa dessa pessoa e do seu respeito pela democracia – mas mais nada. Que uma pessoa impeça os outros de dizer coisas que considera imorais não só deixa claro o respeito dessa pessoa pela democracia como a degrada efectivamente. Se alguém diz “Covid vai em frente, tens aqui a tua gente”, em princípio, é um palerma. Se alguém impede os outros de serem palermas, em princípio, é perigoso.
(Crónica publicada na VISÃO 1440 de 8 de outubro)