Juan Carlos, rei emérito de Espanha, está há um mês e meio hospedado em Abu Dhabi e a conta do hotel já ascende a mais de 250 mil euros. A notícia, ao contrário do que seria de esperar, gerou indignação. Os antepassados de Juan Carlos lutaram contra muçulmanos e expulsaram-nos do sítio em que viviam, o que não é muito simpático. Meio milénio depois, Juan Carlos vai para junto deles e devolve-lhes alguma riqueza – e também é criticado. Parece que todas as atitudes de reis católicos espanhóis para com povos muçulmanos são erradas. Aliás, ser rei espanhol é praticamente impossível. Primeiro, as pessoas revoltam-se por o rei viver como um rei, o que não parece sensato. Se é rei, é natural que viva como um rei. Mas se não viver como um rei, em princípio também o criticam. Se, em vez de se ter hospedado no hotel Emirates Palace, Juan Carlos tivesse vindo viver para a Pensão Primavera, na Venteira, os mesmos que o acusam de desrespeitar o cargo por estar a viver no mais obsceno luxo haveriam de criticá-lo por desrespeitar o cargo vivendo como um pelintra (ignorando que a Pensão Primavera possui quartos que dispõem de casa de banho com polibã e oferece wifi gratuito). E se é verdade que o hotel em que Juan Carlos está hospedado é um bocadinho dispendioso, deve sublinhar-se a humildade do monarca que, de acordo com as notícias, está instalado na suíte presidencial. Toda a gente contabiliza o preço da dormida, mas ninguém faz contas à humilhação que um rei deve sentir quando dorme numa suíte presidencial. Em segundo lugar, ser rei de Espanha é particularmente doloroso. Trata-se de ser soberano de um povo que não quer ser um povo. Os galegos, os bascos e os catalães, para dar apenas três exemplos, não querem ser espanhóis, prurido com o qual é fácil simpatizar. Foi provavelmente por isso que Juan Carlos deixou de reinar, no sentido de reger o país, e passou a reinar, no sentido que damos à palavra na frase: “As crianças? Estão lá fora a reinar.”
(Crónica publicada na VISÃO 1439 de 24 de setembro)